Entra-se pela porta principal na Sabze Meydan (ou Praça Verde). Depois é só deixarmo-nos ir ao sabor da corrente. Projetados através de claraboias, feixes de luz solar entrecortam as sombras e desafiam as partículas de poeira para uma dança ao som do buril sobre o cobre e das vozes que se misturarem e confundem umas com as outras. Sob as arcadas do Grande Bazar de Teerão estendem-se quilómetros de corredores, que se prolongam no exterior por a um emaranhado de ruas e vielas. Este coração buliçoso da cidade de mais de 11 milhões de habitantes foi, durante séculos, o principal centro de comércio interno e externo de uma cultura muito mais antiga do que a religião que adotou. Aqui moldaram-se, ao longo da história, as relações sociais e políticas do Irão. Diz a tradição que, quando os bazaaris baixam os estores das lojas, há crise política. Aconteceu, por exemplo, durante a Revolução Islâmica de 1978-79. O Xá caiu, quando perdeu o Grande Bazar. Os apertos do embargo deixaram os bazaaris descontentes, com pouco para comprar e vender. Mas o levantamento das sanções, oficializado este fim de semana, trouxe-lhes novo ânimo. O governo de Teerão anunciou logo que o país será capaz de atrair, já este ano, investimentos rondando os 46 mil milhões de euros.
PORTUGAL DE MALAS FEITAS
A indústria exportadora europeia regozijou-se, tendo a Airbus já recebido uma encomenda de 114 aviões. Também em Portugal, já há quem esteja de malas feitas. Literalmente. A Associação Empresarial Portuguesa (AEP) levará daqui a um mês uma missão à capital iraniana. Para já há oito inscrições, mas o número vai aumentar, tendo em conta os contactos registados nos últimos dias pela associação e a confirmação da abertura de uma delega- ção em Teerão da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), nos próximos meses. Tido até há pouco como um mercado de alto risco, o Irão nunca deixou de ser procurado pelos investidores mais audaciosos (e discretos). Nem nunca os afastou. É o caso de Tomaz Metello, presidente da companhia aérea euroAtlantic. Com ligações ao mercado iraniano há 10 anos e sendo patrocinadora da sele- ção iraniana de futebol, esta empresa foi a companhia aérea designada no acordo aéreo bilateral para operar uma ligação direta entre Lisboa e Teerão – que poderá, segundo disse Tomaz Mettelo à VISÃO, chegar aos três voos semanais. “A oportunidade do Irão é agora”, afirma o presidente da AEP, Paulo Nunes de Almeida. “O Irão tem um potencial enorme”, salienta, por seu lado, o presidente da AICEP, Miguel Frasquilho. “Esteve fechado durante uma década. Agora que vai sair do isolamento económico, temos de lá estar”, acrescenta
ELEVADO POTENCIAL
O Irão dispõe de gigantescos recursos naturais – está, por exemplo, em quarto lugar mundial em termos de reservas de petróleo e em segundo nas de gás natural – mas devido às sanções viu as suas infraestruturas envelhecerem e fragilizarem-se – sobretudo nos setores energé- ticos, siderúrgico e cimenteiro. Está, por isso, carente de investimento. Depois do crescimento negativo de 2012 e 2013, a economia iraniana recuperou a partir de 2014 (4,3%) e em 2015 (pouco mais de 1%). O levantamento das sanções deverá impulsionar o crescimento de 2016 para os 6 por cento. Com 80 milhões de habitantes e um PIB de 380 mil milhões de euros é uma das economias mais diversificadas da região. Além do petróleo e do gás, dispõe de uma forte base industrial: é o terceiro maior produtor mundial de cimento e o décimo quarto de aço. É o maior produtor automóvel do Médio Oriente. O potencial é suficiente para se posicionar no top 20 das economias mundiais. Com relações bilaterais que datam desde o início do século XIV, Portugal não descobriu este país agora. Ao longo do embargo, Lisboa não encerrou a sua embaixada em Teerão e esta apoiou vários contactos entre empresas lusas e o governo iraniano. Muitos deles estreitados e promovidos, a partir de 2009, pelo Portugal-Irão Business Council, uma iniciativa da AEP, da Associação Industrial Portuguesa e da Câmara de Comércio e Indústria, Minas e Agricultura do Irão. Liderado pelo gestor e académico luso-iraniano Nader Haghighi este projeto tem como missão apoiar as empresas nacionais que queiram atuar no Irão. A construção, da recuperação de imó- veis às infraestruturas, é um dos setores mais apetecíveis. Este ano poderá movimentar 145 mil milhões de euros, sendo a perspetiva de crescimento da ordem dos 12 por cento. Portugal estará representado em Teerão, na Feira Internacional da Construção Project Iran, que decorrerá em abril. A procura iraniana por máquinas, assistência e peças para aeronaves, pasta de papel, produtos agroalimentares, cortiça e têxteis, abrem boas perspetivas de reforço de relações económicas quase inexistentes. Depois do trambolhão de 29% nas exportações portuguesas entre 2010 e 2014, as estatísticas mostram uma recuperação: de janeiro a novembro de 2015 cresceram 196% face a igual período de 2014. Um crescimento substancial, embora partindo da base relativamente pequena – de 6,36 milhões de euros para os 18,8 milhões. Com o Irão a representar, em 2015, escassos 0,04% das exportações nacionais e um valor idêntico das importações, pode dizer-se que tudo o que está por fazer nas centenárias relações luso-persas será facilitado pelo levantamento das sanções. O Irão pode mesmo vir a ser um “balão de oxigénio” para compensar as perdas em mercados como Angola, Brasil ou Venezuela. Miguel Frasquilho espera mesmo que a abertura de uma delegação em Teerão se justifica para atrair investimento: “Queremos ter Portugal como destino de capitais iranianos”. Uma hipótese também salientada por Paulo Nunes de Almeida falando de setores como o imobiliário e industrias de capital intensivo. Nenhum negócio é isento de riscos. O Irão não é exceção. Mas um clima de abertura e confiança contribuirá para, um dia destes, um turista português assistir à discussão de uma mulher de chador preto com um bazaari em torno do preço de algum artigo made in Portugal.