Na passada sexta-feira, dia 4, Abdullah Kurdi enterrou a mulher e os dois filhos na cidade síria onde moravam, Kobane.
A cidade é o retrato da guerra na Síria. No início do ano, milícias locais expulsaram terroristas do Estado Islâmico. Mas eles voltaram. Quem sobreviveu, vive com medo. Entre casas destruídas, e ruas vazias. Temendo o dia de amanhã.
Foi com medo do Estado Islâmico, das bombas e dos tiroteios que a família de Aylan resolveu emigrar. Sem imaginar que voltariam tão cedo. E pelas piores razões.
A sua cidade natal, Kobane, já viu muitos funerais durante o último ano, depois do selvagem cerco de 6 meses por fanáticos islâmicos. No entanto, a morte desta família instalou, na população, enormes sentimentos de compaixão e empatia, e esta, reuniu-se, em massa, para prestar homenagem aos pequenos Aylan e Gallip e à sua mãe.
Foram oferecidas várias ajudas ao pai para recomeçar a sua vida no Ocidente, mas Abdullah já não está interessado. Num entrevista ao The Sunday Telegraph, disse que juntamente com os seus filhos e mulher enterrou também a sua alma.
“Nada me pode compensar,” disse em lágrimas. “Se me dessem o mundo inteiro, não vale nem um bocadinho comparado com a perda das minhas crianças. Tudo o que procuro é que Deus me dê paciência.”
“Eu estava a sonhar para a minha família e agora eles foram-se, então agora o sonho também se foi. Eu enterrei a minha alma, sentimentos e mente naquela sepultura.”
Contando o incidente em detalhe pela primeira vez, Abdullah disse que o contrabandista, a quem pagou cerca de 3 970 €, prometeu que a viagem entra as costa da Turquia e a ilha grega de Kos levaria apenas cerca de cinco minutos, e que a embarcação era motorizada e de confiança. Era tudo um esquema. O motor avariou pouco tempo depois da embarcação chegar às águas profundas, o contrabandista abandonou-os num barco tripulado por um cúmplice, obrigando o próprio Abdullah Kurdi a tentar assumir o comando. Minutos depois, uma onda maior virou a frágil embarcação deixando-o a lutar contra ondas de três metros e ao mesmo tempo a tentar salvar os seus dois filhos.
Abdullah recorda as últimas palavras da família: “A mãe deles pediu-me que salvasse as crianças e não ela,” disse. “Aylan estava a dizer ‘Baba, Baba’ (pai), que eram as únicas palavras que sabia. E o Gallip perguntava: ‘Baba, a água está a afogar-me, trouxe-nos aqui para que pudéssemos morrer?’ Consegue imaginar? Levei as minhas crianças para a morte.”
“O primeiro a morrer foi Gallip. Eu consegui ver que ele já estava morto então deixei o seu corpo para salvar o outro. Cinco minutos depois o Aylan morreu também. Então olhei para trás para a mãe deles e encontrei-a morta também a flutuar na água. Estive na água durante cerca de três horas a nadar para alcançar a costa. Depois, quando fiquei cansado tentei manter as minhas forças na esperança que alguém me salvasse.”
Um barco da guarda costaeira, alertado por outro sobrevivente, acabaria por vir veio em auxílio de Abdullah.
“Aylan e Galip costumavam acordar-me todos os dias para brincar com eles,” disse. “Isto era a alegria da minha vida e a dor viverá comigo sempre que me lembrar deles. Culpar-me-ei até morrer.”
Abdullah candidatou-se a um asilo no Canadá, onde a sua irmã vive, mas o seu caso foi rejeitado. Foi aí que decidiu tentar levar a sua família para a Europa. A última tentativa na semana passada foi a sua terceira, as primeiras duas terminaram com a sua família a ser apanhada e a ser obrigada a voltar para trás por barcos da guarda costeira turca.
“Eu estava a tentar fazer as minhas crianças e a minha mulher felizes,” adicionou. “Eles eram as coisas mais preciosas da minha vida e agora já cá não estão.”