“Toda a gente se identifica com a história de uma família e é preciso evitar que estas coisas possam acontecer outra vez. Quando vemos todos os genocídios depois da II Guerra Mundial: Camboja, Bósnia, Ruanda, Darfur, e outros casos, fica demonstrado que os preconceitos raciais continuam”, afirma Eva, filha de Anka Nathanová, prisioneira de Auschwitz.
A história de Anka e da filha Eva são relatados juntamente com outros dois únicos casos conhecidos de mulheres que esconderam a gravidez tendo conseguido dar à luz na condição de prisioneiras e sobreviver ao extermínio nazi.
O relato é descrito no livro “Os Bebés de Auschwitz”, da jornalista e investigadora britânica Wendy Holden, lançado recentemente em Portugal e que reuniu as histórias de Priska, Rachel e Anka.
Eva Clarke, 70 anos, nasceu nos últimos dias da guerra junto aos portões do campo de concentração de Mauthausen, Áustria, para onde a mãe tinha sido enviada depois de ter sobrevivido a longos meses no complexo de extermínio de Auschwitz-Birkenau e ao trabalho forçado numa fábrica em Frieberg, na Alemanha.
A mãe de Eva, que vivia em Praga com o marido, foi conduzida para Auschwitz em 1944 tendo sido interrogada por Joseph Mengele, o médico nazi que submetia os prisioneiros a experiências no complexo de extermínio no sul da Polónia.
“A minha mãe teve uma infância feliz, numa família sólida e foi sempre uma otimista. Tinha um sentido prático das coisas e sempre disse que também teve uma vida feliz depois da guerra. O facto de estar grávida quando foi presa deu-lhe uma razão para viver enquanto prisioneira e o facto de eu ter nascido deu-lhe outro motivo para seguir em frente depois da guerra, porque durante algum erámos só nós as duas”, diz Eva.
O livro relata as condições desumanas a que foram sujeitos os prisioneiros e em particular o caos das três mulheres, que sobreviveram, apesar de terem perdido os respetivos maridos em Auschwitz.
“Nós sentimos sempre, as duas, que tivemos muita sorte por sobreviver”, acrescenta Eva Clarke, que estava destinada a ser gaseada com a mãe em Mauthausen, um dia depois de ter nascido, mas o gás utilizado para assassinar os prisioneiros tinha acabado e os soldados alemães puseram-se em fuga depois de saberem que Hitler se tinha suicidado.
O campo foi libertado pelo Exército norte-americanos no dia 05 de maio, três dias antes do final da guerra na Europa.
“A minha mãe nunca se identificava como uma sobrevivente do Holocausto. Ela dizia que também teve pais que teve um casamento feliz e que foi mãe, e que foi avó e bisavó. Não tinha problemas em falar sobre o Holocausto. Era catártico para ela. Sempre falou comigo do que aconteceu. Não estávamos sempre a falar da mesma coisa, mas abordávamos o assunto de forma natural”, explica Eva.
“Quando falo da minha história, da história da minha mãe e da minha descendência – porque tenho dois filhos e três netos – digo sempre: `nós ganhamos`”, ironiza Eva Clarke que, apesar de tudo o que a família sofreu, sublinha que “não se pode perder nem a humanidade” nem a memória.
“Não se pode viver no ódio. Para seguir em frente é preciso manter a humanidade mas é muito importante que se fale, é importante que se fale nos países europeus para que os mais jovens possam perceber o que pode acontecer se as ditaduras conseguirem fazer o que quiserem. É uma lição, sobretudo para a atualidade”, conclui.
Os filhos das três mulheres só souberam da existência uns dos outros em 2003, altura em que se reuniram em Mauthausen nas comemorações da libertação pelos Thunderbolts (11ª Divisão Blindadas dos Estados Unidos) e mantêm contacto permanente desde essa altura.
O livro “Os Bebés de Auschwitz — nascidos para sobreviver” de Wendy Holden( Editora Vogais, 410 páginas) inclui mapas e uma série de fotografias dos locais e das mulheres biografados assim como dos respetivos filhos.