A irmã vive no Canadá, o irmão reside em Hong Kong, a ex-mulher está em Londres, a filha estuda na Universidade de Harvard, nos EUA, e ele visitou mais de 50 países, oficialmente, nos últimos anos. Quem pensar que o futuro líder chinês é um homem sem ligações ao mundo só precisa de olhar para a sua família para mudar de ideias. E se alguém achar que Xi Jinping é um ortodoxo, adversário de mudanças no regime, também só necessita de continuar o mesmo exercício para, no mínimo, ficar com dúvidas: o pai dele, Xi Zhongshu, foi um dos principais responsáveis pela introdução das reformas económicas de Deng Xiaoping no terreno, ao criar, como governador da província de Cantão, a zona económica exclusiva de Shenzen, e, em 1989, foi um dos que condenou a repressão contra os manifestantes, na praça Tiananmen. Segundo algumas fontes, Jinping não herdou apenas o apelido Xi do pai (na China, o nome familiar vem em primeiro lugar), mas também muitas das suas ideias. “E a última coisa que um comunista chinês faz é atraiçoar a memória paterna”, sublinha Bao Tong, que foi conselheiro de Zhao Ziyang, antigo líder reformista afastado pela linha dura do partido.
Se o plano correr como previsto, é com esta história familiar que Xi Jinping entrará no Grande Palácio do Povo, em Pequim, na quinta-feira, 8, para o primeiro dia de trabalhos do 18.º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), com o sexto lugar na hierarquia da organização que comanda, desde 1949, o país mais populoso do mundo. Após uma semana de atividades destinada a aprovar as linhas estratégicas do partido para o próximo ciclo e em que serão substituídos 70% dos membros do Comité Central e do Politburo, Xi Jinping sairá do palácio, no dia 15, já não na sexta posição, mas em primeiro lugar, como secretário-geral e pronto para ser eleito na Assembleia Nacional Popular, em março de 2013, presidente de todos os 1,3 mil milhões de chineses. Atrás dele, numa coreografia rigorosa e de forte significado, surgirão os outros membros do Comité Permanente do PCC, o órgão que, de forma colegial, governa, de facto, a China. A ordem em que surgirem, ao longo de uma passadeira vermelha, indicará também a posição hierárquica atribuída a cada um. Nesse momento se saberá como foi resolvido o equilíbrio de forças entre as várias fações existentes no seio do PCC e, por essa via, se tentará adivinhar se esta quinta geração de dirigentes vai ou não avançar com reformas políticas. E num país onde é habitual fazer planos a décadas de distância, começará também a ser desenhada, com base nos nomes escolhidos para o novo Comité Permanente, já a sexta geração e, naturalmente, a sucessão de Xi Jinping… em 2022.
De olhos postos no ‘prémio’
Num país-civilização, com mais de 4 mil anos de história, a escala temporal com que se olha para os movimentos políticos e sociais é totalmente distinta da que se usa nos países ocidentais. Henry Kissinger percebeu isso, de forma eloquente, em 1972, quando, nas negociações para estabelecer as relações diplomáticas entre os EUA e a China perguntou ao primeiro-ministro chinês o que ele pensava sobre as consequências da revolução francesa (1789). A resposta de Chu Enlai foi esclarecedora. “Ainda é muito cedo para dizer.”
Ao olharmos para os 59 anos de vida de Xi Jinping também se percebe que ele tentou sempre olhar para mais além do que o dia de amanhã. E, desde cedo, se revelou “superambicioso” e com os “olhos postos no prémio” de liderar o PCC, segundo um longo testemunho de um seu amigo, citado num extenso relatório confidencial do embaixador dos EUA, de 2009, revelado pela Wikileaks.
Os primeiros sinais dessa determinação foram dados na juventude, quando, no auge da Revolução Cultural, foi enviado para uma aldeia rural, numa época em que o pai, caído em desgraça junto de Mao Tse Tung, se encontrava preso. Habituado, até então, a uma vida de privilégios em Zhongnanhai, uma espécie de cidade proibida comunista em Pequim, destinada aos altos quadros do partido, o jovem Xi Jinping não se deixou derrotar pelo “exílio” e decidiu sobreviver, “tornando-se mais vermelho que os vermelhos”, segundo um amigo de infância. As ideias do pai dificultaram-lhe, ao princípio, a entrada no PCC, mas, após nove recusas acabou por ser aceite como membro. E quando a Revolução Cultural terminou e as universidades reabriram, ele foi um dos primeiros a ser admitido na de Tsinghua, uma das mais prestigiadas.
“Enquanto a maioria de nós tentava divertir-se, recuperando o tempo perdido nos campos, Xi Jinping passava o tempo a ler Marx e a estabelecer as bases para uma carreira política”, conta o mesmo amigo.
Mais tarde, quase a chegar aos 30 anos, deu o passo que se revelaria mais decisivo na sua luta pelo poder. Após passar três anos como mishu (secretário pessoal e assistente) do ministro da Defesa, um amigo do seu pai, Jinping pediu para abandonar os corredores do poder, em Pequim, e ser colocado num lugar modesto, na província. Começava, assim, um tirocínio por postos de confiança política e de administração, adquirindo uma experiência e um espírito negocial que lhe possibilitaram subir todos os degraus, na hierarquia do PCC.
Laboratório de Zheijang
O primeiro local em que se fez notar foi em Xiamen, aos 32 anos, onde chegou como vice-presidente da Câmara de uma cidade estrategicamente importante, capital da província de Fujian, mesmo em frente de Taiwan. O impacto foi de tal ordem que, em poucos anos, chegou mesmo a governador da província, para onde conseguiu canalizar muitos investimentos de Taiwan e até receber elogios públicos de Lee Kuan Yew, o mítico líder de Singapura, cujo modelo político tem sido referenciado por Xi Jinping, em alguns dos seus mais recentes textos, como forma de evolução para o regime chinês.
Mas foi na província de Zhejiang, entre 2002 e 2007, que Xi Jinping alcançou os melhores e mais decisivos resultados, conforme testemunhou Robert Lawrence Khun, no seu livro How China Leaders Think (Como pensam os líderes chineses): “Sob a liderança de Xi Jinping, a província foi pioneira na integração dos serviços públicos e privados; aprofundou as reformas destinadas a dar maior transparência nas contas e na seleção de funcionários; e trabalhou para harmonizar as relações entre os grupos sociais. Por exemplo, em Zhejiang foi eliminado o visto milenar de residência (hukou), permitindo às pessoas das áreas rurais migrar para as cidades, sem perderem apoios sociais.”
Ainda sem saber, nessa época, que estava perante o futuro líder da República Popular da China, Robert Khun confessou a surpresa que lhe causou o homem que o recebeu no palácio de Hangzhou, a capital de Zheijiang: “As estatísticas da província, de 50 milhões de habitantes, eram impressionantes, mas mais ainda o era a paixão e o empenho de Xi. Não só conhecia ao detalhe, todos os planos, como adorava discuti-los.”
É essa capacidade de negociação e de persuasão que Xi Jinping terá de saber utilizar, na próxima década, com os seus pares do Comité Permanente, dentro do principio de “um partido, duas fações”. Até porque pode muito bem suceder que ele seja o dirigente de menor idade naquele órgão – um constrangimento, num pais onde se venera a sabedoria dos mais velhos. Mesmo que se seja o novo imperador.