Foi preciso chegar o décimo segundo dia de campanha para que o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) ensaiasse o regresso à matriz fundacional e batesse o trunfo que tinha guardado na manga. Esta quinta-feira, 3, André Silva esteve no canil da Aroeira, em Almada, e confirmou que o partido da “arvorezinha” – como o próprio referira pouco antes no mercado da Cruz de Pau, no Seixal – podia perfeitamente ter também um cachorrinho como símbolo.
Naquele espaço, cedido por um particular e gerido com dificuldades pela associação “Os Amigos dos Animais de Almada”, coabitam cerca de 250 cães, uma vez que atualmente o canil municipal não tem dimensão para receber mais de 40 animais. Perante o porta-voz e deputado do PAN, Maria Helena Mascarenhas, presidente da associação, lamentou a falta de condições do sítio, a precariedade das construções, a inexistência de apoios municipais e os abandonos em catadupa (alguns cães são amarrados ao portão das instalações e outros despejados para o interior, por cima da vedação).
Há mais de duas décadas no terreno, Maria Helena salientou que a logística diária não é fácil. E que as adversidades do dia a dia só são vencidas com o contributo de “muitos voluntários”, que repartem o trabalho por sete zonas, pelas quais se distribuem os animais. “Para todas as áreas construímos um espaço de recreio e os cães são soltos e têm mimos todos os dias, porque conseguimos ter voluntários para as sete áreas”, explicou, antes de revelar à comitiva do PAN que são necessários 150 quilos de ração para alimentar toda aquela população.
Da autarquia liderada pela socialista Inês de Medeiros garante não receber qualquer ajuda (nem nas campanhas de adoção), apesar das inúmeras reuniões que já mantiveram. Até agora, em vão. “Enquanto aqui estamos, temos de manter os cães com qualidade de vida e tenho de me abstrair daquilo que nos prometem”, desabafou, esclarecendo que só houve apoio público em programas de esterilização. Por isso, pragmaticamente, só conta “com os sócios e com as pessoas que querem ajudar”.
André Silva ouviu, registou e enfatizou que as violações ao bem-estar animal continuam a ser crimes com brandos castigos. Em todo o caso, negou que a jornada tenha sido uma espécie de back to basics. “Viemos a um canil em campanha, mas não voltámos a uma bandeira que sempre foi nossa, que nunca abandonámos e que nunca iremos abandonar”, garantiu. Situações como aquelas com que se deparou na Aroeira, prosseguiu, são “o paradigma do País”, com “associações que se substituem ao Estado durante décadas” e autarcas que “ainda não estão sensibilizados para cumprir a lei”, quando, em muitos casos, nem precisariam de “centros de recolha oficiais” nem de “investimentos avultados em recursos humanos ou infraestruturas”. Bastariam “protocolos com estas entidades”, notou.
Ainda assim, com milhares e milhares de cães e gatos abandonados ou à mercê da solidariedade de pequenas instituições, o líder do PAN admitiu querer “criar regras mais apertadas para aquilo que vulgarmente se chamam os criadeiros”. “Se é verdade que há pessoas que são profissionais e que criam animais nas melhores condições, existem também muitas pessoas que fazem criação de animais sem quaisquer regras”, advertiu.
O registo do porta-voz do PAN mudou, no entanto, quando foi confrontado com a acidez de José Luís Ferreira, deputado do PEV, num comício da véspera, em Setúbal. “Não estamos no lote daqueles que dizem não ser de direita nem de esquerda, que são tudo e nada ao mesmo tempo. Que nem são carne nem são peixe, mas alinham num bacalhau com todos”, afirmara, em torrente, o deputado ecologista, que somou a acusação de “PANpopulismo” e procurou colar a André Silva “fundamentalismos, probicionismos e penalismos”.
A réplica foi contundente. À falta de “argumentos políticos” restaram os “clichés”, começou, para depois descarregar: “Os Verdes são uma ficção política, um projeto do patrão político, que é o PCP. Poderiam ter sido um projeto muito interessante, poderiam ter ocupado um campo político, mas desistiram.”
E não mais largou as canelas de José Luís Ferreira e de Jerónimo de Sousa: “Trata-se de um partido que, por exemplo, não votou a favor da lei que implementa a tara recuperável de garrafas de plástico; de um partido que está coligado com o PCP, que foi o único em Portugal que não ratificou o Acordo de Paris; de um partido que apoia o regime chinês, um regime tenebroso, de partido único, onde não há liberdade de imprensa, liberdade religiosa e onde as pessoas são perseguidas, presas e assassinadas…”
Em suma, atirou, o PEV “perdeu a sua validade e oportunidade”: “A história d’Os Verdes fala por si. A história e as ações do PAN e o trabalho que temos a vindo a fazer falam por nós.”
Antes de Almada, André Silva passou pelo concelho vizinho, o Seixal. No mercado municipal da Cruz de Pau, voltou a libertar a pop star que tem lá dentro. Distribuiu beijinhos, entregou folhetos, foi novamente alvo de piropos e, esta manhã, até a uma versão mal-amanhada do Quem Quer Ser Milionário se sujeitou.
Logo à chegada às bancas, um feirante quis ser José Carlos Malato por um dia e lançou um chorrilho de perguntas ao deputado:
– Qual é a fronteira entre as duas Coreias?
– Qual é o rio que fica no norte de Moçambique?
– Como se chama agora o aeroporto internacional do Rio de Janeiro?
– Qual é a capital do Sri Lanka?
– Qual é o rio que fica a norte de Goa?
– Qual é o nome das duas ilhas em África que pertencem a França?
– Existe alguma vila em Portugal chamada Tunes?
– Qual é a capital da Formosa [Taiwan]?
O tic-tac mental e a pressão exercida pelos microfones dos jornalistas não ajudaram. André Silva falhou quase todas as respostas, mas nem por isso deixou de apelar àquilo que o levara até ali: o voto. Outro comerciante, Francisco Abreu, mostrou-se convencido pelo PAN e, sem se comprometer, lá confessou a simpatia: “Você não fala mal de ninguém, só fala a verdade!”.
Numa manhã em que manteve a estratégia de “fugir” aos vendedores de carne e de peixe, os animais voltaram a revelar-se o eldorado eleitoral, que André Silva, ladeado pela cabeça de lista no distrito de Setúbal, Cristina Rodrigues, explorou com manifesta habilidade. Bastou que alguém lhe confidenciasse ter um ser de quatro patas em casa, e logo vieram os relambórios sobre o IVA da ração, por oposição ao IVA dos espetáculos tauromáquicos. Da mesma forma, continua a ser difícil evitar o desagrado dos fiéis da carne no prato. E, por causa disso, até houve quem recusasse um panfleto com a cara dos candidatos – “intrusos”, chamaram-lhes.
Numa banca recheada de brinquedos, Orlanda Conceição propiciou outro momento digno de best of da campanha.
– Sr. presidente, compre-me um ioiô! -, apelou.
– Presidente?! Eu ainda não sou presidente de nada -, retorquiu André Silva.
– Mas vai ser!
– Isto é um ioiô?! No meu tempo eram diferentes!
– Mas isto agora é o século XXI! E, olhe, dê-me também uma canetinha! -, pediu a feirante.
Teve azar. Simbolicamente, a comitiva do partido não oferece brindes ou qualquer tipo de merchandising, por questões ambientais. Resta saber se no domingo, sem a ambicionada esferográfica, Orlanda Conceição, vai fazer a cruzinha no PAN…