Se isto fosse um quizz, o leitor teria três alíneas: O caso de Tancos é a) da Justiça b) da política c) ambos os anteriores
Tancos: “Têm de nascer duas vezes…”
Pergunta: pode ou não falar-se de Tancos, na campanha? Ou deve deixar-se à Justiça o que é da Justiça? Resposta: pode e deve falar-se sobre o caso político de Tancos. E o primeiro-ministro não pode escapar-se desta, com a sua velha fórmula, inscrita na segunda hipótese. O roubo de Tancos foi um dos principais casos da legislatura e um ministro demitiu-se, o que significa que assumiu responsabilidades políticas – as eventuais responsabilidades criminais estão noutro plano, evidentemente. Se o ministro tem responsabilidades políticas, o Governo tem responsabilidades políticas. É possível, até, que tudo fique na palavra de uns contra a palavra dos outros, sem que o esclarecimento total jamais venha a ser prestado. E é até possível que, “no limite”, não haja mais nada para esclarecer. Mas uma campanha eleitoral também é um momento de prestação de contas. E de avaliação, por parte do eleitorado, do que de certo e de errado os diversos agentes políticos, incluindo os partidos e o Governo, fizeram, nos últimos quatro anos. No governo e na oposição. Na Assembleia da República e nas comissões parlamentares de inquérito.
A gestão política do caso de Tancos é um tema que pode ser mais ou menos valorizado, pelo eleitor, no momento do voto. E a campanha serve, também, para lhe dar a hipótese dessa avaliação. No rescaldo da acusação do Ministério Público (MP), conhecida ontem, os partidos à esquerda, que ilibaram, em sede de inquérito parlamentar – contra o voto da oposição – o ministro Azeredo Lopes, não podem sentir-se confortáveis com o facto de o MP ter concluído precisamente o contrário.
É por isso que Assunção Cristas aproveitou hoje, em Lamego, para apontar o dedo a PS, PCP e Bloco. E é por isso que Rui Rio separou os tempos, entre o momento do segredo de Justiça e o momento em que o processo, deduzida a acusação, se encontra aberto. E disse que se o ministro sabia do encobrimento de Tancos, é provável que Costa também soubesse, o que é grave – e é grave se não sabia. António Costa, pelo seu lado, recorre à famosa fórmula de “à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política”, declarando não se ter desviado um milímetro dessa postura, adotada desde há cinco anos. E contra-ataca com violência, confrontando Rio com a sua promessa de não comentar casos judiciais, tendo-a agora quebrado e “desiludido” quem nele tinha acreditado. É a aposta na dramatização. Mas o líder do PS não deve ignorar que o caso de Tancos tem uma dimensão política que extravasa a dimensão judicial. Ou, dizendo de outra forma, que tem dois lados: o político e o judicial. Rui Rio terá comentado o caso judicial ou o caso político? Mais uma questão a ser decidida pelos eleitores.
Também visado pelas revelações recentes, Marcelo Rebelo de Sousa, sentiu necessidade de se defender. Numa escuta, um dos envolvidos refere-se a um “papagaio-mor” e o MP considera tratar-se do PR, sintomática conclusão que devia, só por si, escandalizar os defensores do respeito que é devido às instituições e que os investigadores deviam ter pelo Chefe de Estado…
De forma correta – e não apenas politicamente correta – a generalidade dos partidos protege, neste transe, o Presidente da República. E protege bem: o Presidente não é uma pessoa, é um órgão de soberania. A destoar, apenas André Ventura exigiu a Marcelo, esta quinta-feira, um “esclarecimento devido há muito tempo”. Mas o Chega gosta de vincar a sua postura anti-sistema… Já Marcelo (exagerando, talvez, uma postura defensiva que seria dispensável) acaba por, em resultado disso, fazer lembrar o seu antecessor: é preciso nascer duas vezes para ser menos criminoso do que eu…
O regresso da senhora de cor-de-rosa
Em Moscavide, António Costa foi à procura do seu banho de multidão. Os repórteres no terreno referem o episódio de uma costureira reformada, Elsa Pinto, de 68 anos, que lhe saiu ao caminho com um papel e uma acusação: “Meti os papeis para a reforma há dois anos, e ninguém me dá uma resposta! Até tenho aqui o documento!”. Ao que o primeiro-ministro, pressentindo um “caso”, resolveu esvaziar o assunto: “Tem o número do processo?”. A cidadã pediu-lhe um instantinho para fazer uma fotocópia e o primeiro-ministro esperou. Depois, prometeu verificar o que se passa.
Este é um episódio, que parecendo de faits divers, nos dá a lição de uma extraordinária habilidade política: o que levará um primeiro-ministro a abrir um precedente, detendo-se perante o “pedido” particular de um cidadão e comprometendo-se a dar uma mãozinha? E fazê-lo ao ponto de atrasar o programa de uma caravana eleitoral? Porque se arrisca a que, daqui para a frente, em todos os locais onde faça campanha, possa encontrar milhares de outros cidadãos, com problemas particulares e pedidos pessoais? E como se desenvencilhará dessas hipotéticas “emboscadas”? Avançamos seis explicações para ajudar a interpretar o que aconteceu:
Primeiro – A questão dos atrasos na capacidade de resposta da segurança social, sobretudo no deferimento dos pedidos de aposentação ou reforma, foi um dos grandes casos, recentemente apontados à deterioração dos serviços públicos, na sequência de outros, como o das filas para a renovação do cartão de cidadão.
Segundo – Do que Costa menos precisa é de se defrontar, agora, com a sua “senhora de cor-de-rosa” (evocação do episódio de uma reformada que confrontou, há uns anos, o então chefe do Governo, Passos Coelho, com os cortes na sua reforma).
Terceiro – Ao dar atenção a um caso particular, Costa pretende aparentar surpresa. Quer passar a ideia de que este exemplo não representa uma falha da Administração Pública, durante o seu consulado, mas apenas uma anomalia.
Quarto – Essa anomalia há de ter uma explicação que ele “promete verificar”.
Quinto – O primeiro-ministro aproveita para se aproximar do povo, interessando-se pelos problemas de “cada cidadão”.
Sexto – Os casos que poderão repetir-se, na estrada, até ao último dia de campanha, serão geridos caso a caso. Pois não foi caso a caso que o primeiro-ministro conseguiu atingir o “tetra” – quatro orçamentos numa legislatura?…
O discurso do medo, outra vez
De resto, António Costa não teve um dia feliz. Utilizando exatamente a mesma arma que tanto criticava à PàF, há quatro anos, recorreu ao discurso do medo. Alega o primeiro-ministro que, se as pessoas não votarem PS, arriscam-se a perder o passe único e a voltar a sofrer cortes nos salários e nas pensões. Não foi bonito de ser ver que o secretário-geral do PS ameaça com o anúncio da vinda do diabo. Mas até pode ser eficaz: há 30 anos, o primeiro-ministro Cavaco Silva atacava a sua segunda maioria absoluta proclamando que os portugueses, se quisessem continuar a ter dinheiro para comprar frigoríficos, tinham de votar no PSD. Não há nada de novo debaixo do sol…
A Sãozinha das feiras
Assunção Cristas ensaiou a sua primeira visita a uma feira. Contida, educada, a líder do CDS revela, nesta campanha, um estilo menos exuberante do que em ocasiões anteriores. Limita-se a sorrir, a acenar e a dizer aos populares com que se vai cruzando, enquanto distribui os papelinhos da campanha: “Posso deixar consigo as nossas propostas?” Na feira de Lamego, porém, encontrou uma eleitora que lhe disse: “Por acaso é o meu partido! Lá em casa, somos todos do CDS!”. Cristas expandiu-se um pouco: “Que maravilha!” Depois, girou nos calcanhares, desejando “boas vendas” e “tudo a correr bem”. Hoje, estava mais preocupada em explorar o filão de Tancos. Mesmo assim, se é verdade que o Paulinho das Feiras já não existe, a líder do CDS ainda está a tempo de se tornar “a Sãozinha das Feiras”.
O PAN ligeiramente confuso
As abordagens de rua de André Silva, do PAN, são bastante curiosas. Nunca pede o voto, para não assustar: “Já decidiu em quem vai votar?” Quando o interpelado lhe responde que ainda não, dispara: “Então o PAN pode ser uma opção?” – e ninguém tem coragem de lhe responder que não. No Alentejo profundo, neste 5.º dia de campanha, também teve direito a comentar o caso de Tancos. E acabou por dizer que deve haver mais empenho em combater a corrupção. A corrupção? Mas o que é que isso tem a ver com Tancos?…