O encontro servia para o arranque oficial dos últimos dias da corrida até às eleições de 6 de outubro. Uma “festa”, anunciava o speaker, quando António Costa entrou num emblemático Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, “à pinha” com militantes do PS que queriam ouvir o secretário-geral. Mas o cartaz da noite tinha mais: havia Fernando Medina, havia Ferro Rodrigues e havia, ainda, Mário Centeno. E seria ele, no final de hora e meia de intervenções, o homem do jogo. “Que bom que é, quatro anos depois” de o ministro das Finanças surgir como coordenador do programa macroeconómico do PS, “todos quererem ter o seu Centeno”. O mercado até pode estar interessado, mas o manager Costa fecha a porta a negociações: “O passe não está à venda”.
Foi Rui Rio quem lançou o despique logo no arranque da campanha. “O senhor tem o seu Mário Centeno, mas eu tenho o meu”, atirou o líder do PSD no último frente-a-frente destas legislativas com António Costa, esta segunda-feira. A resposta de Costa veio dia e meio depois. Há quatro anos, Centeno foi olhado com “desconfiança” pelos adversários políticos. Agora, “todos quererem ter o seu Centeno”, disse o líder socialista. “Mas já há quatro anos devíamos ter desconfiado: quem desdenha quer comprar”. Só que a estrela do Governo não está no mercado. “O senhor [Wolfgang] Schauble”, ex-ministro das Finanças alemão, “até pode achar que ele é o Ronaldo, só que o passe não está à venda”, avisou Costa. Ferro Rodrigues já tinha saudado “o nosso grande, grande ministro, que é uma mistura de CR7 com Messi, porque tem marcado muitos golos e dado muito jogo para outros marcarem.”
Centeno também haveria de entrar nesse jogo. Quando o ministro das Finanças subiu ao palco, Rui Rio já tinha tentado emendar o alvo, depois do remate ao lado. Disse que, afinal, o que ele tem é o seu próprio Sarmento (numa referência a Joaquim Sarmento, coordenador macroeconómico do PSD); e até desafiou o Mário Centeno para um debate entre os dois homens dos números. No palco, o ministro não disse se aceitava o desafio, mas deixou a sua mensagem. “Outros querem agora vestir o fato que desenhámos e preparámos, como se com o nosso fato todos parecessem homenzinhos”, atirou o ministro. E disse mais. “Querem que vos confidencie? Eles não sabem sequer vestir esse fato.”
A noite foi pródiga em vocabulário desportivo. Assim que subiu ao palco – quando Fernado Medina e a líder da JS já tinham feito as suas intervenções –, Centeno arrancou o seu primeiro aplauso da sala com uma saudação ao “enorme campeão português”. O campeão do crescimento e do bem-estar, o país que “não convida os jovens a emigrar” e que “PSD e CDS desconhecem, negam”. Continuavam os ataques à direita. Centeno assinalou como, “em dois minutos apenas”, com a divulgação pelo INE sobre os mais recentes dados do comportamento da economia, “Portugal ultrapassou cinco países na lista que a direita usa para desvalorizar a conquista dos portugueses” nos últimos quatro anos.
É o clássico nós contra eles. Nós, que cumprimos. “Quatro anos depois, cumprimos quatro orçamentos, sem derrapagens, sem retificativos” e com reforço do investimento. “Três mil milhões de euros que nesta legislatura somámos ao investimento financiado pelo Orçamento do Estado”, destacou o ministro das Finanças. Nós, os “credíveis”, os autores de “mais crescimento” e da “economia mais forte”, com “contas certas e equilibradas” e os responsáveis por garantir um “sistema financeiro” estável. “Aí têm o crescimento, o crescimento voltou a Portugal com este Governo, voltou a Portugal com António Costa.”
Do outro lado, eles, os do diabo que nunca chegou. “A direita clamou meses a fio por um ajustamento estrutural que, dizia, faltava; pois aqui está o ajustamento estrutural nas contas públicas e nas contas externas”, sublinhou o ministro das Finanças, um algarvio transformado em candidato à Assembleia da República ali mesmo, pelo círculo da capital. Quanto à saúde do país, “só não vê quem está em negação”.
O trabalho de casa está feito, mas “o país precisa de continuar o caminho das contas certas, não precisa de quem promete o que não pode dar, precisa de estabilidade económica e social”. A estabilidade que garantiu a “credibilidade externa” e que colocou o país na liderança. “Lideramos na consolidação, na redução de desemprego e, também, no Eurogrupo”, fechou Centeno, com o anúncio das prioridades para os próximos quatro anos: investimento em barcos, ferrovia, hospitais e na qualificação profissional, previsibilidade da governação e, novamente, contas certas.
Numa noite em que todos os protagonistas pediram uma vitória “reforçada”, “mais força” para o PS e “estabilidade” depois das eleições de dia 6, António Costa pegou na deixa de Centeno e foi por aí fora. “Cumprimos todos os nossos compromissos e os factos estão aí a demonstrá-lo”, começou o líder socialista.
Foi há exatamente um dia que António Costa e Catarina Martins se confrontaram sobre a génese da “geringonça” e sobre o nível de responsabilidade que PS e Bloco de Esquerda têm no corte com o passado. No pavilhão Carlos Lopes, Costa lembrou que foi o PS quem quis “romper com austeridade”, que mostrou “capacidade de restabelecer a credibilidade” internacional do país e restaurou a “tranquilidade aos portugueses, que deixaram de recear cortes de salários e pensões ou os enormes aumentos de impostos”.
Isso, é a apresentação de contas. Agora, vêm aí mais quatro anos. E, a pensar nessa próxima legislatura, António Costa faz mira às alterações climáticas, à transição para a sociedade digital e ao combate contra as desigualdades. “É por saber que temos mais e melhor a fazer que vos peço mais força para o PS”, ensaiou o líder socialista perante “milhares” (na versão de um speaker entusiasmado) de militantes. “Há desafios exigentes e objetivos muito ambiciosos” no horizonte e é por isso que Costa pede “mais força ao PS para garantir mais quatro anos de estabilidade”. Porque essa “estabilidade é fundamental para a tranquilidade do dia a dia” e para “mantermos a credibilidade internacional que país conseguiu recuperar”.
Ferro Rodrigues também deixado recados – sobretudo à esquerda do PS. Começou logo com a ironia com que cumprimentou os sociais-democratas da sala. “Hoje, parece que 90% dos portugueses são sociais-democratas”, atirou o ex-líder socialista, ainda a pensar no momento em que Catarina Martins disse que o Bloco de Esquerda apresentava a estas eleições um programa social-democrata. Ferro haveria de completar a mensagem com uma palavra de apreço peça “coragem, determinação e pela paciência” que Costa “tem demonstrado nesta campanha eleitoral”.
Paciência, em grande medida, pelo que tem sido a pré-campanha. “É normal a demarcação entre partidos”, diz Ferro. “Aquilo que já não acho tão normal são os excessos e a agressividade que têm marcado” as últimas semanas, disse o socialista, como que temendo pelas marcas que as trocas de argumentos entre Costa e Catarina Martins podem significar no dia seguinte às eleições, se o PS não conseguir a maioria absoluta que tem andado a rondar e de que precisa para a tal estabilidade governativa. Mas, lembra o mesmo Ferro Rodrigues, “não nos podemos esquecer do que aconteceu há 4 anos”, quando se passaram “coisas bem piores nos debates políticos”, o que “não impediu que houvesse soluções para o país”. No final, “as coisas correram muito bem”, mais do que muitos esperariam. “Nem eu próprio [acreditava], deva confessá-lo.”
Do seu “posto de intervenção e observação” privilegiado, como presidente da Assembleia da República, Ferro também tinha contas a acertar com a direita. “Aquilo que matraquearam na AR sobre o défice e sobre o crescimento público era pura e simplesmente falso, puras mentiras”, atirou.
Mas a noite era de festa – palavra de speaker. E naquele “pavilhão dos desportos” onde o PS festejou vitórias passadas, Ferro antecipava a noite de 6 de outubro: “Cheira bem, cheira a Lisboa, cheira bem, cheira a vitória”.