Às 15 e 30 do dia 25 de novembro de 1975, o tenente-coronel António Ramalho Eanes, 40 anos, recebe a missão mais delicada da sua vida. A ordem surge num documento escrito pelo general Francisco da Costa Gomes, Presidente da República e Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA): executar o plano minuciosamente preparado durante os seis meses anteriores, e concebido para reagir a um golpe revolucionário dos militares radicais, tido, há muito tempo, como inevitável. Em cima da mesa estão duas hipóteses: ou a ação é coroada de êxito, logo às primeiras horas, ou o País pode mergulhar numa guerra civil.
Eanes mantivera-se acordado de 24 para 25 e a vigília há de durar até à manhã de 26. É o líder operacional da equipa que, nas instalações do Estado-Maior, espera, dia 24, pelo final da reunião do Conselho da Revolução em que é decidida a substituição de Otelo pelo moderado, e membro dos Nove, Vasco Lourenço, à frente da Região Militar de Lisboa. Eanes chega a sua casa, na Madredeus, já muito tarde. Mas, mal acaba de adormecer, é acordado pela mulher. Ao telefone, um camarada informa-o de que, palavras de Eanes, “o adversário desencadeara uma ação armada que há muito se admitia como provável”. Volta a vestir a farda, junta duas granadas de mão ofensivas às mudas de roupa que, há semanas, dentro de uma mochila, aguardavam este momento. “Despedi-me da minha mulher e do meu filho, mas desdramatizei”. Mais tarde, descreverá que a tensão e angústia acumuladas nas últimas semanas se “desvaneceram por completo”. A adrenalina fala mais alto. Chegou o Dia D.
Às primeiras horas, a situação parecia feia. Os “paras” ocupavam Monsanto e bases importantes. O RALIS tomara posições estratégicas nos acessos norte a Lisboa e junto do aeroporto e controlavam o depósito de material de guerra. A Escola Prática de Administração Militar ocuparia, à tarde, a RTP. Vasos de guerra fizeram-se ao largo. É neste quadro que, às primeiras horas da manhã, Eanes vai a Belém apresentar o seu plano de operações a Costa Gomes. Costa Gomes manda aguardar e faz diligências. Assegura a neutralidade do PCP. Convence os fuzileiros a não avançar. Exorta os rebeldes a recuar. Ao início da tarde, a situação está definida: praticamente, só os “paras” de Tancos e a poderosa Polícia Militar, na Ajuda, se mantêm no golpe. Às 15 e 30, Eanes recebe luz verde para avançar. Instala o posto de comando na unidade dos Comandos da Amadora. Sob a sua coordenação, os Comandos, chefiados por Jaime Neves, saem para a rua e, um a um, reconquistam os objetivos: ao fim da tarde libertam as instalações da Força Aérea, em Monsanto. Às 21 e 10 é a vez da RTP. Na manhã de 26 conseguem a rendição da PM. Eanes pode ir dormir a casa. Dali a menos de um ano, será apoiado pelo PS, PSD, CDS e MRPP, nas primeiras eleições para a Presidência da República. A mesma mochila do dia 25 haveria de transportar alguns pertences, para o Palácio de Belém, onde viveu dez anos e onde foi pai pela segunda vez.