Tem um nome de guerra: Lab X. Trata-se de um laboratório criado pelo Governo para identificar problemas, investigar, conceber e testar soluções, na Administração Pública. Para as suas mais recentes ações de formação, foram criadas oito equipas, cada uma com três elementos que trabalham na ou com a Administração Pública. Recentemente, receberam formação de três peritos internacionais, membros da Fundação NESTA, instituição que presta consultoria em “desenho de serviços” nos quatro cantos do mundo. Os formandos foram escolhidos para serem bafejados pelo espírito da inovação. Pretende-se que sejam eles, pouco a pouco, a levar a cabo a revolução tranquila dentro da Administração Pública. Durante dois dias, em setembro do ano passado, ouviram histórias e ensinamentos trazidos pelos três peritos da NESTA, aderiram aos desafios, tentaram encontrar soluções, criar protótipos, resolver problemas indiferenciados. A ideia era pô-los à prova, tirá-los da sua zona de conforto, fazer com que pensassem “fora da caixa”. Depois mergulharam no concreto, discutindo os problemas dos seus próprios serviços. Breton Caffin, 42 anos, liderou a equipa formadora da NESTA. Fala-nos do que viu, do que deve mudar e do futuro da Administração Pública num Estado moderno. O ano de 2018 pode ser um bom arranque…
O que vos trouxe a Portugal?
O que fazemos com laboratórios em todo o mundo é ajudá-los a utilizar estas novas ferramentas e a trazer novas maneiras de trabalhar para dentro da Administração Pública, onde historicamente o design de serviços não teve um papel relevante. Não sou um perito na administração pública portuguesa. O contexto em que tal acontece é muito diferente, nas várias partes do mundo. O nosso papel é mostrar a cada laboratório o que pode fazer e como pode provocar impacto, criar valor e confiança, ultrapassar o ceticismo, na sua realidade.
Mas como é que estas 15 ou 20 pessoas conseguem provocar esse impacto, quando regressarem, cada um, ao seu serviço de origem?
É uma ótima pergunta. Uma das coisas que estamos a fazer é construir o primeiro currículo global para o ensino da inovação pública. É outro projeto que temos. Mas há duas coisas importantes nesse projeto: uma é a aprendizagem em equipa – porque mais importante que o indivíduo é a equipa, porque se treinarmos uma pessoa e a devolvermos ao seu serviço, não faz diferença e, pior, as pessoas ficam desiludidas, frustradas; a segunda é a necessidade de trabalhar com as pessoas ao longo do tempo.
E qual é o objetivo desta formação específica?
O objetivo é criar consciência. Há que começar em qualquer lado. Desenhámos um programa de aprendizagem baseado na mudança de comportamentos. É um modelo que vem de estudos de adição. É como deixar de fumar: o primeiro passo é chamado a pré-contemplação, em que me digo “nem sequer sei que tenho um problema”. Depois, posso ler qualquer coisa, ler os avisos nos pacotes de cigarros e começo a pensar que “se calhar devia fazer qualquer coisa”. Ainda não me comprometi a fazê-lo, mas já estou consciente de que pode haver outra forma de fazer as coisas. O passo seguinte é “o que posso fazer em relação a esta situação?”. Já estou no plano do planeamento e penso nas várias possibilidades, nos vários comportamentos que poderia adotar. A seguir entra-se em ação, atua-se e por fim é necessário manter essa nova maneira de agir. É este o modelo que adotamos.
E que trouxeram a Portugal…
O que trouxemos a Portugal foi o primeiro passo desse caminho, é levar as pessoas a perceber que há valor nesta maneira de trabalhar, que se ganha em colocar outro tipo de questões, que requer experimentar antes de outra coisa, quando se tem tempo. É a forma que vemos para diminuir os riscos e os gastos. Quando construímos um carro, fazemos muitos protótipos antes de ir para o mercado. E não o fazemos com as políticas públicas. Geralmente, os funcionários ficam nas suas secretárias, produzem papéis que entregam aos ministros que as apresentam publicamente como se fosse a resposta. Ora, nós, aqui, tentamos mostrar como se deve testar primeiro. E o que fazemos é iniciar as pessoas nessa caminhada.
Continuam a não ser muito mais do que quinze pessoas…
Sim, mas não estão sozinhas. Há gente a pensar assim e a funcionar assim em todo o mundo. E o que espero é que o Lab X português continue este trabalho de guia, de criação de pontos de ligação entre os vários elementos.
Mas não estudou a Administração Pública portuguesa? Sabe onde funciona e onde falha e precisa de intervenção?
Não. Ouvi histórias, mas não fiz um estudo independente.
Então não nos pode pôr em contexto…
Não seria justo fazê-lo. Mas sei que os legados históricos pousaram longas sombras sobre as administrações públicas, que a origem do legado tem um grande impacto. Por exemplo, trabalhamos muito com a América Latina, que herdou muito dos sistemas espanhol e português. Há muitas semelhanças. Ambos são muito baseados nas regras, na compliance, porque resolve um problema que existia há cem ou mais anos. A Austrália ou o Canadá herdaram uma série de comportamentos e uma cultura de Westminster, o que tem as suas mais valias e as suas fraquezas. Estive há pouco tempo em Viena e a Administração Pública austríaca vem do império dos Habsburgos. Portanto, temos de mostrar que há alternativas, encontrar forma de aumentar a confiança das pessoas que este é o melhor caminho e a melhor maneira de agir, que pode ajudar a obter mais resultados.
Que briefing receberam, antes de vir?
Que é um Laboratório novo. Devíamos, em parte, passar tempo com os elementos que compõem o Lab, ajudá-los na definição da sua estratégia, tática, como poderiam criar um bom portfólio de trabalho, a que deveriam prestar atenção enquanto equipa, que erros poderia evitar, ao ouvir a experiência de outros, de outros lados do mundo. E também para passarmos tempo com equipas, para treinar e perceberem o que precisam para dar seguimento a este trabalho.
Faz exatamente a mesma coisa em todo o mundo?
Muito do que fazemos, quando viajamos, é ajudar cada Laboratório a perceber como terá sucesso, no seu contexto, e cada contexto é diferente. Portanto, não podemos levar a mesma receita para todo o lado. Os nossos colegas no Chile, por exemplo, criaram um laboratório há dois anos e meio. Fizemos muito trabalho de equipa, partilhámos ideias e experiências, acompanhámos o trabalho deles à distância – somos uma espécie de mentores. Estão a desenhar o seu próprio programa. Voltámos lá em outubro para ver o treino que deram e dar-lhes a nossa opinião. No fundo, o que estamos a construir é uma comunidade de praticantes, nas administrações públicas. É uma rede.
A forma de agir na Administração Publica é uma preocupação a nível global?
É. Temos trabalhado com a América latina, Europa de Leste e na Ásia Central, com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, nos países do Golfo, estivemos no Dubai.
Culturalmente e historicamente são muito diferentes. Têm as mesmas preocupações que nós?
A História, a cultura e a situação de cada país influenciará sempre aquilo em que se focam. Lembro-me da primeira vez que fui ao Dubai. Falamos sempre da forma de “fazer mais com menos” e olharam para mim e disseram: “nós não fazemos mais com menos, fazemos mais com mais.” (Risos) Têm desafios diferentes, necessidades diferentes de legitimação, por não viverem em democracia. A forma como usam as nossas abordagens é diferente. Uma das coisas de que mais gosto no meu trabalho é trabalhar com essa diversidade, dos países mais desenvolvidos aos menos desenvolvidos e ver como tudo funciona.
Mas levam sempre os mesmos instrumentos?
Há uns anos, lançámos uma ferramenta DIY [Do It Yourself, que significa Faça Você Mesmo], com a Fundação Rockefeller, para medir o impacto do desenvolvimento. Foi desenhado para que qualquer pessoa no terreno pudesse usar estes métodos. Está em dez línguas (português incluído), foi vista milhares de vezes, descarregada mais de 100 mil vezes.
Para que serve?
Para trazer inovação aos projetos. Pode ser utilizada por Organizações Não Governamentais, Organizações de Desenvolvimento, Business Schools…
Não estudou o caso português, mas pela amostra, o que pode concluir sobre a nossa administração?
A equipa do Lab X é muito ambiciosa, otimista. Eles têm grandes esperanças naquilo que querem alcançar e têm as competências certas. Em Brasília, quando quisemos recrutar designers de serviços, ouvimos muitos que não queriam trabalhar para o governo, porque era aborrecido. Ora, são desafios importantes. E se se enquadrarem os desafios da maneira correta, conseguem-se encontrar as pessoas certas. E foi o que fizeram quando contrataram esta equipa. Foram buscar o Daniel [Santos, designer de serviços] a Manchester, por exemplo.
Tem noção do impacto do seu trabalho?
Muito do meu trabalho faz-me regressar ao que fazia na Austrália. Criei, há oito anos, uma organização chamada Tacsi, que apoia ONGs e o governo australiano a incorporar métodos de inovação e de design [de serviços] nas suas organizações. O nosso projeto bandeira, aquele com que começámos, no ano zero, debruçava-se sobre famílias cujos filhos lhes eram retirados. Desenhámos uma solução chamada Family by Family em que famílias da mesma comunidade ajudavam estas famílias em dificuldades, davam-lhes dicas para as suas vidas e definiam objetivos para que tudo funcionasse melhor. O projeto dura há sete anos, englobou milhares de famílias em toda a Austrália e, numa análise custo- -benefício, chegou-se à conclusão que para cada dólar que o Estado gasta neste programa, poupa entre sete e dez. Houve uma mãe solteira, com quatro filhos entre os sete anos e os 18 meses. Foi a tribunal 30 vezes, para lhe retirarem a guarda das crianças. Voluntariou-se no programa, com outra família. Suspenderam o caso na justiça e, depois de 20 semanas, fez progressos suficientes para deixarem cair todos os processos e, seis meses depois, a Proteção de Menores retirou-a dos seus registos. Neste caso, uma só família, com a sua tutoria e o seu envolvimento, com o seu exemplo, também, poupou milhões de dólares ao Estado.
(Entrevista publicada na VISÃO 1296 de