Num estudo publicado há duas semanas, o grupo sindical Unite analisa as 350 maiores empresas cotadas no Reino Unido, concluindo que a margem de lucro desses grupos aumentou de 5,7% para 10,7%, entre o primeiro semestre de 2019 e o mesmo período de 2022. Isso significa que os resultados líquidos estão a disparar 89%.
O sindicato refere que o primeiro empurrão para a inflação foi um choque na oferta, provocado pela crise climática, obstáculos de abastecimento relacionados com a saída da pandemia e, posteriormente, a guerra na Ucrânia. Contudo, argumenta, estas empresas estão a aproveitar o momento atual para aumentar os seus preços mais do que teriam de o fazer para fazer face à subida dos seus custos, com especial destaque para: energia, alimentação, indústria automóvel e transportes.
“A crise é sistémica: facilitado pelo governo, empresas e investidores ganharam enorme poder para determinar as regras e colher a recompensa. A economia está a falhar com a maioria de nós, tanto trabalhadores como consumidores”, pode ler-se no relatório. “Não tenham dúvidas, os lucros estão a resultar dos preços altos que todos temos estado a pagar – não dos salários dos trabalhadores.”
O relatório foi noticiado pelos media britânicos e motivou uma posição editorial do “Guardian”, que concorda com a ideia de que a postura das empresas está a puxar pela inflação. “Os trabalhadores são avisados de que arriscam provocar uma espiral salários-preços se exigirem aumentos que compensem a subida do custo de vida. Na verdade, o Reino Unido parece estar a enfrentar uma espiral lucros-preços”, escreveu o jornal.
As últimas semanas têm sido preenchidas por notícias de subidas de lucros das empresas. Da Jerónimo Martins à Galp, as 13 empresas portuguesas do PSI 20 analisadas pela EXAME lucraram mais mil milhões do que em 2021, num total de 4,5 mil milhões de euros. A tendência é transversal a todos os países mais desenvolvidos.
No Reino Unido, o Unite dá o exemplo das grandes cadeias de distribuição, notando que, em 2021, Tesco, Sainsbury e Asda duplicaram os lucro face ao período pré-pandémico. Mas a tendência não se observa apenas nos supermercados. As quatro gigantes agroindustriais viram os seus lucros disparar 255% e os dez maiores fabricantes de semicondutores também quase conseguiram chegar aos três dígitos. Os maiores operadores de transporte marítimo alcançaram subidas ainda maiores.
Este relatório vem juntar-se a uma série de notícias que têm dado mais fôlego ao debate sobre o papel das empresas nos elevados níveis de inflação, incluindo a indicação de que o BCE estará mais inquieto com esses desenvolvimentos. Começou a popularizar-se a expressão “greedflation” (ganânciaflação). O Banco de Inglaterra também se mostrou preocupado com o poder de fixação de preços das empresas no atual contexto. Normalmente, a discussão tem-se centrado na necessidade de moderação nos salários para evitar que o ciclo de subidas de preços se prolongue, sem que haja, até recentemente, o mesmo debate sobre os lucros das empresas.
“O relatório da Unite desafia a posição mais mainstream de que os preços aceleraram à medida que as poupanças acumuladas e os estímulos pandémicos foram gastos quando a oferta de bens e serviços estava limitada. Com a falta de proteção para os consumidores e com trabalhadores incapazes de defender eficazmente a sua fatia de rendimento, os ganhos foram sendo dirigidos para os lucros”, acrescenta o editorial do Guardian. “A Unite tem boas razões para acreditar que o setor empresarial está a praticar uma forma de “concertação tácita”, que faz com que as empresas se possam comportar como se houvesse um acordo entre elas para manter os preços elevados.”
As empresas têm-se defendido argumentando que procuram proteger os consumidores, aumentando apenas os preços o necessário para fazer face aos agravamentos de custos – matérias-primas, energia, transportes – que têm tido a montante.
Em Portugal, o debate vai aparecendo de forma isolada – há alguns meses, em relação às gasolineiras e, nas últimas semanas, acerca das margens das grandes distribuidoras. Porém, em vários pontos da Europa e dos Estados Unidos começa a debater-se o tema de forma mais abrangente, vendo-o como relevante para entender o que se está a passar nos preços e quando poderá a inflação aliviar.