Perante a polémica relacionada com a sua opinião acerca do direito ao aborto, o fundador da Prozis contra-atacou nesta terça-feira, em direto no Youtube. Voltou a defender a sua oposição à liberdade de abortar e criticou quem está a atacar a empresa que fundou e quem com ela colabora.
“Eu sou incancelável. É impossível cancelarem-me a mim”, afirmou Miguel Milhão. Numa emissão de mais de 40 minutos, numa rara emissão pública do podcast interno da Prozis, intitulado “Conversas do Karalho”, o empresário dividiu a sua intervenção entre a defesa da sua liberdade de expressão e o ataque a quem o tem atacado. Milhão explicou que estava em casa em Portugal, “numa churrascada”, e viu que toda a gente em Portugal estava a criticar os Estados Unidos da América pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça americano em eliminar o direito constitucional ao aborto em todo o País. “Os Estados Unidos são um império, o país mais potente do mundo, se entrar em guerra com o mundo ganha, e ninguém defende os Estados Unidos?”, pensou. E, como resposta, colocou no seu linkedin a mensagem da discórdia: “It seems that unborn babies got their rights back in USA. Nature is healing”.
Desde então, nos últimos dias, sucederam-se as críticas, nas redes sociais, atacando Milhão, a Prozis e as influencers que vendem os seus produtos, algumas das quais anunciaram que deixaram de colaborar com a empresa.
Perante isto, Miguel Milhão anunciou esta emissão. Em tom pausado, ainda que por vezes com linguagem agressiva, foi focando os vários pontos. Quanto ao direito das mulheres em abortar, Milhão afirma que “para mim, a vida começa na união do espermatozóide com o óvulo”. “Se eu assassinar um idoso, roubo-lhe o que ele ainda tinha para viver, as experiências que iria ter, a companhia que faria às outras pessoas. Mais ainda num jovem, mais ainda numa criança. Se matares um embrião roubas isto tudo. Onde vamos por a linha?”, questionou.
Salientando que esta é a sua opinião e não uma posição institucional da Prozis, atacou quem está a criticar a empresa, a pressionar parceiros para que deixem de trabalhar com esta e a apelar a boicotes às compras. Com termos como “pulhecos de merda”, “esta canzoada” ou “estes filhos da puta”, o empresário afirmou repetidamente que “a Prozis não precisa de Portugal”, porque tem 85% das vendas no exterior.
“A Prozis é capaz de ser a empresa portuguesa mais conhecida fora de Portugal. Não pensem que dá para deitar a Prozis abaixo, era o que mais faltava”, afirmou. “Se perdemos dinheiro ou sofremos por causa disto, é um preço que temos de pagar. Não vamos ser manipulados nem vamos ser empurrados por esta mob”, defendeu. “O pessoal pode fazer o que quiser. As minhas ideias vão ser as minhas ideias. Somos uma empresa que vive para produzir bens e serviços, local. É uma empresa privada que tem acionistas, tem trabalhadores, tem parceiros, vários tipos de stakeholders e todos eles têm opiniões diferentes. Eu sou contra um aborto e há-de haver aqui montes de gente que é a favor do aborto. E eu não ando aqui contra elas”, acrescentou.
Sobre a sua liberdade para dar uma opinião, ilustrou com o que sentiu numa das suas muitas viagens pelo mundo. “Isto parece a Coreia do Norte, lá é que havia um aprisionamento da mente, todos tinham de pensar igual”.
Numa emissão que teve cerca de 2500 pessoas em permanência a assistir, e com muitos comentários agressivos, Milhão leu alguns deles e ia reagindo. No final, terminou dizendo que ia apagar a mensagem inicial no Linkedin, “para chatear o pessoal”. “Eu agora vou para a Grécia, para um barco, e depois logo vejo quando volto”, concluiu.
Imprudência e reação à reação
Para Francisco Lucena, consultor de comunicação e fundador da Lucena Consulting, a publicação de Miguel Milhão foi, no limite, imprudente.
“Numa perspetiva de comunicação, creio que não devesse ter feito o comentário, não porque não tenha direito a ter uma opinião, mas porque tem relevância institucional dentro de uma organização, e esta pode ser confundida com a opinião dessa organização”, justifica à VISÃO. Para o especialista, numa altura em que “vivemos numa sociedade do politicamente correto e as coisas ou são pretas ou são brancas, há pouca tolerância. Sendo que aqueles que apregoam a tolerância são os menos tolerantes”, avisa.
O que significa que tem de haver cada vez mais cuidado quando se vem a público tomar determinada posição. No entanto, sublinha, é importante que cada responsável tenha as suas opiniões e posições sobre determinados assuntos e as defenda. Tendo, no entanto, consciência de que elas vão ter consequências.
“O equilíbrio entre a opinião de uma pessoa e o que ele representa é sempre difícil de gerir. As pessoas têm de saber que tornar públicas as opiniões que têm, tem consequências. Mas se representam instituições, têm de ter cuidado redobrado. Porque pode ter implicações que a própria pessoa não tem capacidade de parar”, defende. Mas nota que os pedidos de boicote e a agressividade dos comentários contra o fundador da empresa também são sinais do tempo que vivemos “Muitas opiniões são fundamentalistas, e muitas dessas pessoas não têm o mesmo tipo de atitude em relação a outras marcas” que podem não cumprir todos os valores com que o consumidor se identifica, avisa.
Mas, admite, há uma responsabilidade acrescida por parte de quem representa mais do que a sua própria pessoa.
“Creio que se trabalhar para determinada empresa devo coibir-me de tomar determinadas posições. Não a devo expressar, porque não tenho relevância social e qualquer coisa pode produzir um efeito contrário aquilo que são os interesses da organização”, explica. Ou seja, Miguel Milhão “tem de ter a noção e a perceção de que qualquer coisa que diga pode ser usada a favor ou contra ele. No fim do dia, foi imprudente”, nota. “Agora, se essa decisão dele e este consequente boicote vão ter impacto no EBITDA da empresa, teremos de esperar dois ou três meses para ver”.
Quanto ao facto de o fundador da Prozis ter decidido fazer um live no Youtube para defender a sua publicação inicial, Lucena acredita que “foi uma reação à reação”, pautada sobretudo por “expressões defensivas. No fundo, isto tomou proporções que ele não consegue agora controlar. Acho que a melhor atitude, neste momento,seria deixar de fazer comentários, porque isto é uma bola de neve”.
Até porque, recorda o especialista, “daqui a dois ou três dias” o assunto já morreu e já ninguém lhe dará importância. “É outra característica deste tempo de redes sociais”, atira com um sorriso.
E remata: “Vivemos, infelizmente, numa época da sociedade em que parece que ou estás comigo ou estás contra mim. Eu acho bem que se discuta, que se debata, que se tenha opinião”, clarifica. Mas “não há nenhuma fórmula mágica: a sociedade é o que é e não o que queremos que seja”.
Portanto, é seguir as regras do jogo, arriscando as consequências de as desafiar – como fez Miguel Milhão. Por agora, defende Lucena, o melhor seria mesmo deixar o assunto arrefecer, não atirando mais comentários para uma fogueira já bastante inflamada.