Com a procura de equipamentos eletrónicos em alta, os produtores estão a passar parte dos seus custos para os consumidores finais, de forma a suportar parte das perdas que estão a sentir com a quebra da produção, como também para compensar o que pagam a mais para conseguirem garantir a compra de microprocessadores. O primeiro a admiti-lo foi o presidente da Xiaomi, Wang Xiang, que veio a público dizer que a empresa tentará “fazer o seu melhor para otimizar os custos dos seus aparelhos para oferecer o melhor preço aos nossos clientes, mas, por vezes, temos de passar parte desse custo para o consumidor”, assumiu o líder da empresa chinesa durante a apresentação de resultados.
Os preços dos automóveis novos também já começaram a registar uma subida de preços devido às paragens das fábricas que criaram uma rutura no abastecimento do mercado. Nos EUA, este efeito já chegou aos veículos usados, que registaram um incremento dos preços da ordem dos 10%. Para não terem de esperar quatro ou cinco meses por um carro novo, muitos americanos preferem ir ao mercado de usados, o que fez disparar a procura e os preços. Um fenómeno que já se começa a sentir na Europa, embora a uma escala menor.
A escassez de semicondutores no mercado mundial está a provocar o caos na economia mundial e há cada vez mais indústrias a ver-se obrigadas a parar a produção. Em Portugal esta crise já afetou unidades fabris como a Autoeuropa, a PSA de Mangualde e as fábricas da Bosch, entre outras.
Em 2020, as vendas de semicondutores ascenderam a 462 mil milhões de euros, uma subida de 11% face ao ano anterior. E as previsões para este ano apontam para um novo crescimento de 12,5%, atingindo os 522 mil milhões. Apesar dos fabricantes de semicondutores continuarem a aumentar a produção de ano para ano, a procura mantém-se muito acima da oferta.
Durante a pandemia, a venda de computadores, smartphones, tablets, consolas de jogos, relógios digitais, e outros aparelhos que nos mantêm ligados ao mundo disparou, o que levou a uma maior procura de semicondutores por parte das fábricas destes equipamentos. Por outro lado, os automóveis transitaram do analógico para o digital num curto espaço de tempo e são altamente dependentes destes pequenos componentes. Nos dias de hoje, qualquer veículo tem inúmeros sistemas de assistência ao condutor que utilizam microprocessadores. Os painéis passaram a ser digitais, com ligação Android ou IOS, e até os sistemas de poupança de combustível, para conseguir cumprir as regras apertadas das emissões, como é o caso da União Europeia, recorrem aos semicondutores. Em suma, um veículo moderno pode conter no seu interior entre 300 a 400 microprocessadores, quando há pouco mais de uma década utilizava pouco mais de uma dezena.
Fábricas paradas
Até à data, a indústria automóvel é aquela que tem sido mais afetada. Vários fabricantes viram-se obrigados a parar as linhas de montagem por falta de microprocessadores para os equipamentos eletrónicos dos veículos. “Esta crise de semicondutores e o impacto na indústria automóvel ainda vai piorar”, admitiu recentemente o CEO da Ford, Jim Farley. Ao todo, a indústria automóvel poderá vender menos 4 milhões de veículos em 2021 devido a este problema.
A Volkswagen, o maior produtor mundial de automóveis já foi obrigado a encerrar temporariamente várias fábricas em todo o mundo. Para além da unidade de Palmela, o grupo fechou fábricas em Emden, Alemanha, Bratislava, Eslováquia, e na cidade do México.
A Mercedes não só encerrou temporariamente duas fábricas na Alemanha e uma no Alabama, EUA, como também reduziu o horário de produção na grande maioria das unidades de produção.
A Hyundai, que no início da crise anunciou que tinha um stock de chips suficiente para fazer frente ao problema, já se viu forçada, em abril, a reduzir o ritmo de produção de algumas fábricas. Foi também em abril que a Jaguar parou a montagem de alguns dos seus modelos mais carismáticos, como o XE, XF e F-type.
Elon Musk, o patrão da Tesla, veio reconhecer que o último trimestre foi um dos mais difíceis para a empresa devido aos “problemas com as cadeias de abastecimento” de componentes.
Esta tem sido uma crise que não deixa nenhum construtor automóvel ileso. Alguns tentam criar novas soluções para contornar o problema, como foi o caso da Stellantis, o grupo que resultou da fusão entre a PSA e a Fiat, que resolveu voltar a equipar alguns modelos com velocímetros analógicos em vez dos digitais.
Outras marcas decidiram manter a produção dos veículos de topo de gama, onde conseguem margens de lucro mais elevadas em detrimento dos modelos de baixa gama até que esta crise estabilize.
Impacto global
O problema começou por ser reconhecido pela indústria automóvel, mas outros setores que começam a sentir os seus efeitos. A Samsung, o maior fabricante mundial de televisores e smartphones, assumiu que a escassez de semicondutores está a ter efeitos na produção e admitiu, numa entrevista feita à BBC, que “poderá adiar o lançamento da nova geração do Galaxy Note”. O seu concorrente LG veio reconhecer que “existem sérios riscos para a atividade” e a Xiaomi descreveu esta crise como “um problema muito, muito sério”.
Os fabricantes de consolas de jogos também já sentiram este efeito. A Sony, que lançou a PS5 no ano passado, assumiu que não consegue produzir as consolas suficientes para ir de encontro à procura, enquanto a Nintendo veio dizer que a produção da Switch “está a ser severamente atingida pela falta de microprocessadores”, o que resultou numa redução de vendas de quase três milhões de unidades desta consola.
Em Portugal, a Bosch de Braga, que produz equipamentos eletrónicos multimédia par automóveis, anunciou na semana passada que “tem sido fortemente afetada pela escassez mundial de fornecimento de componentes eletrónicos, nomeadamente semicondutores, que se tem agravado no segundo trimestre de 2021”.
Mas não são apenas os carros, os televisores, telemóveis e computadores que usam semicondutores. Atualmente eles estão presentes em quase todos os aparelhos desde a máquina de lavar roupa à escova de dentes elétrica, passando pelas torradeiras inteligentes. Numa cozinha equipada com equipamentos modernos podem existir algumas dezenas de semicondutores. A Eletrolux, um dos grandes fabricantes de eletrodomésticos reconheceu que não consegue produzir equipamentos suficientes para ir ao encontro às encomendas e considera que o problema irá piorar ao longo dos próximos meses.
Para tentar minorar os efeitos no tempo, vários governantes já começaram a criar incentivos para que sejam criadas mais fábricas de semicondutores. O presidente dos
EUA, Joe Biden, anunciou a criação de um fundo de 50 mil milhões de dólares para “dar um impulso à indústria de microprocessadores”, enquanto o executivo chinês já por em prática um plano para que o país deixe de depender do exterior no fornecimento de semicondutores. O problema irá durar mais alguns meses e, segundo os especialistas, só estará sanado em 2023, quando os investimentos que estão agora a ser feitos em novas fábricas para produzir mais semicondutores entrarem em funcionamento.
Até lá, os consumidores poderão assistir a um incremento dos preços nos produtos eletrónicos. É o que normalmente acontece quando a procura é superior à oferta.