O boletim de conjuntura de maio do Banco de Portugal (BP) veio esta semana confirmar o que já se adivinhava: há uma degradação sistemática dos capitais próprios das empresas e da sua liquidez, apesar dos apoios, subsídios, suspensão das obrigações fiscais, das linhas de crédito com garantia pública e do regime de moratórias.
A situação já agravada pelo efeito da crise pandémica continua a acentuar-se este ano e começa a afetar cada vez mais também as grandes empresas (a fragilidade começou por se notar sobretudo nas microempresas). Se no ano passado a percentagem de empresas com capitais próprios negativos (em que o passivo é superior aos ativos, ponde a empresa em risco de falência) tinha registado um aumento de 4 para 5%, o BP projeta que, no final deste ano, haja nova subida, atingindo os 6%. Em grande parte, “devido à acumulação de prejuízos” e pela “ausência de injeções de capital pelos acionistas”, muitas das empresas vão chegar ao fim deste ano descapitalizadas.
A situação atingiu sobretudo os setores mais dependentes do turismo, como o alojamento ou a restauração, que, de 2019 para 2020, registou um “aumento particularmente expressivo”, de 4 para 16%, de empresas com capitais próprios negativos. O pior é que poderá chegar aos 26% este ano. Ou seja, o BP projeta que uma em cada quatro empresas possa ficar em situação de falência técnica, sem liquidez suficiente para operar.
Também o setor dos transportes está a sofrer um grande impacto, podendo as 5% de empresas que estavam em má situação financeira, em 2019, subir para os 12%, este ano. A indústria transformadora e a construção foram as menos afetadas.
Para o BP, no entanto, as empresas sentem cada vez mais pressão para “debelar a possibilidade de ficar com capitais próprios negativos”. Conclui o relatório: “Para as empresas viáveis será inevitável efetuar um esforço de capitalização. A acumulação de dívida não permite resolver os desequilíbrios financeiros, pelo contrário, tenderá a agravá-los, a menos que ocorra um aumento significativo da capacidade de geração de fluxos de caixa.”
Isto é, o BP deixa implícito a necessidade de injetar capital nas empresas de modo a proporcionar-lhes liquidez, mas sem que tal signifique recorrer a mais contração de dívida. Por isso, terá de passar por aumentos de capital por parte dos acionistas ou por apoios públicos destinados à capitalização.
O regulador chama, contudo, a atenção para “o desafio crucial” que será fazer “a avaliação de viabilidade das empresas” para melhor “otimizar a afetação de recursos” e apoios públicos, para que não se corra o risco de injetar dinheiro em empresas que, mesmo com o apoio, já estarão condenadas.
“Não podemos esperar até final do Verão”, insiste AEP
Consciente de que a descapitalização das empresas será uma pedra no sapato no processo de recuperação da economia no pós crise pandémica, o Governo salvaguardou verbas ao abrigo do PRR – Plano de Resiliência e Cooperação e também através de instrumentos financeiros que serão disponibilizados pelo Banco Português de Fomento (BPF). Mas ambos tardam a chegar e os empresários desesperam.
A Associação Empresarial de Portugal (AEP) alerta para a necessidade de apoiar urgentemente o financiamento e a capitalização das empresas nacionais. “É fundamental a rápida implementação de instrumentos de apoio ao financiamento e à capitalização, área onde o tão ansiado Banco Português de Fomento terá um papel muito relevante.”
O ministro da Economia, Siza Vieira, disse esta semana no parlamento que uma das formas de o BPF atuar poderá ser através da entrada direta da instituição financeira no capital das empresas. Mas as diversas formas de apoio “estão ainda a ser estudadas”, nomeadamente como poderá o BPF gerir parte do dinheiro proveniente do PRR para capitalização.
“A recapitalização e o prolongamento dos apoios são essenciais enquanto for necessário travar o encerramento de empresas viáveis. Não podemos, nem devemos, aguardar até ao final do verão”, diz Luis Miguel Ribeiro, presidente da AEP, que não tem dúvidas de que “serão novamente as empresas a ter um papel determinante na recuperação económica e social do país”.
Este dirigente lembra ainda que “a anterior crise mostrou que as empresas com elevada produtividade, mas em stress financeiro, cresceram a um ritmo mais lento e viram a sua probabilidade de encerramento aumentar” e que “o risco de encerramento foi ainda maior para as empresas muito endividadas e mais dependentes do financiamento bancário”.
O “aumento do endividamento” das empresas junto da banca foi “acentuado pelo uso dos instrumentos de moratórias e linhas de crédito com garantia pública”, em maior proporção do que na União Europeia, no entender da AEP. A “disponibilidade de crédito com taxas de juro baixas e com garantia do Estado terão contribuído para suportar o investimento”, que, como reforça também o BP, reduziu menos que o PIB.