O Acordo de Parceria para a Pesca Sustentável entre a União Europeia e Cabo Verde, assinado em Bruxelas em 20 de maio de 2019 e publicado em Boletim Oficial em 28 de outubro, vai permitir aos barcos de países comunitários pescarem 8.000 toneladas de atum por 750 mil euros anuais.
O acordo, válido até 2024, entrou “definitivamente em vigor para ambas as partes em 08 de julho de 2020”, após “cumprimento dos requisitos legais fixados para o efeito”, refere uma nota informativa publicada quinta-feira pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e Comunidades cabo-verdiano, à qual a Lusa teve hoje acesso.
Este acordo permite que navios de Espanha, Portugal e França (União Europeia) pesquem nas águas cabo-verdianas, integrando os acordos de pesca da rede de atum na África Ocidental.
Estes navios poderão pescar 8.000 toneladas de atum e espécies afins em águas cabo-verdianas e, em contrapartida, a União Europeia pagará a Cabo Verde uma contribuição financeira de 750 mil euros anuais.
Parte desta contribuição (350 mil euros) terá de ser usada para “promover a gestão sustentável das pescas em Cabo Verde”. Este propósito deverá ser alcançado através do reforço das capacidades de controlo e vigilância (incluindo o controlo rigoroso dos tubarões) e do apoio das comunidades piscatórias locais.
O acordo foi alvo, em janeiro, de um pedido escrito dirigido pelo eurodeputado português do PCP, João Ferreira, à Comissão Europeia, aludindo às preocupações demonstradas por Organizações Não-Governamentais, apontando que em “termos práticos” não é estabelecido um limite “para as possibilidades de pesca nas águas cabo-verdianas, prevendo que os armadores europeus possam exceder a tonelagem de referência (até mais do dobro) mediante pagamentos”. Também, entre outras preocupações, questiona pelo “montante insuficiente da compensação financeira por acesso aos recursos, por comparação com o preço pago pelos consumidores cabo-verdianos por esses mesmos recursos”.
O presidente da associação ambientalista cabo-verdiana Biosfera, Tommy Melo, afirmou em novembro que este novo acordo de pesca com a União Europeia não impõe, na prática, limites à captura, acusando os países europeus de delapidarem os recursos nacionais.
“Mais uma vez, esse acordo de pesca não possui limites de captura. O acordo de pesca diz que podem capturar 8.000 toneladas. Porém, se ultrapassarem esse valor, têm que pagar uma multa equivalente ao mesmo valor que já pagavam pelas 8.000 toneladas. Portanto, isso não é limite nenhum”, criticou o presidente da Biosfera.
Para o presidente da Biosfera, uma organização não governamental com sede na ilha de São Vicente desde 2006, o acordo de pesca para cinco anos (2019 a 2024) “também não apresenta nenhuma medida mitigadora contra a pesca acidental”.
“Cabo Verde é considerado um dos dez países ‘hot spot’ de biodiversidade marinha. Onde é que estão as medidas mitigadoras para tartarugas, para aves marinhas. Medidas mitigadoras essas que esses barcos precisam de usar quando estão a pescar em águas europeias. Embora, aqui em África, já não é preciso. Porquê? Será isso correto”, questionou o líder da Biosfera.
Para Tommy Melo, os acordos e parcerias de Cabo Verde com a União Europeia tornam o país “refém”.
“Os cabo-verdianos pagam 600 escudos [5,40 euros] por um quilo de atum e nós estamos a vendê-lo à União Europeia a seis escudos [cinco cêntimos] o quilo. Você que é cabo-verdiano acha que isso é justo? Você que é europeu acha que isso é justo?”, apontou ainda.
A solução, defende o ambientalista, passa por “refazer” o acordo, tornando-o “coerente, responsável e sustentável”, apelando ainda à “reflexão” dos europeus sobre este assunto.
PVJ // PJA