Vivemos uma crise como nenhuma outra. O mundo encaminha-se para a maior destruição económica desde a Grande Depressão. Cerca de 200 milhões de pessoas perderam os seus postos de trabalho, nos últimos meses, e a pobreza extrema vai aumentar pela primeira vez desde 1998. A grande maioria das famílias, empresas e Estados deverá sair de 2020 em muito pior situação financeira do que quando entrou neste ano horrível. Mas, na lista das maiores fortunas do planeta, há quem amealhe cada vez mais dinheiro e até consiga beneficiar deste momento. É o caso de Jeff Bezos, o patrão da Amazon. É o homem mais rico do mundo e aquele que mais tem conseguido valorizar o seu património, este ano.
O líder da gigante de comércio eletrónico já aumentou a sua fortuna em 34,5 mil milhões de dólares (30,5 mil milhões de euros) este ano, segundo estimativas da Bloomberg. É mais do que o dinheiro que Portugal pode vir a receber da bazuca proposta pela Comissão Europeia. Isto em menos de seis meses e no meio de uma crise que dizem que acontece só a cada 100 anos. Jeff Bezos tem um património de 149 mil milhões de dólares. Vale mais do que o PIB de países como a Eslováquia, Marrocos ou Angola. A riqueza detida pelo patrão da Amazon corresponde a cerca de 60% da riqueza gerada anualmente em Portugal
Amazon
Jeff Bezos
É o homem mais rico do mundo. O patrão da Amazon ganha 34,5 mil milhões de dólares, este ano, fruto da valorização das ações da gigante do comércio eletrónico. Jeff Bezos “vale” 149 mil milhões de dólares, um património que é superior à riqueza gerada, durante anos, em países como a Eslováquia e Angola. A sua antiga mulher, MacKenzie Bezos, que recebeu títulos da empresa no acordo de divórcio, enriquece 12 mil milhões de dólares em 2020. Tem uma fortuna avaliada em 49,1 mil milhões de dólares. A Amazon tem beneficiado com o aumento das encomendas online. Bezos garante que está a aumentar o orçamento no que respeita às condições de segurança dos trabalhadores durante a pandemia, mas a empresa tem estado debaixo de fogo por causa dos surtos da Covid-19 em vários dos seus armazéns.
Além de Bezos, há mais 79 pessoas que viram a sua fortuna aumentar pelo menos mil milhões de dólares, entre o início do ano e a semana passada, segundo cálculos da VISÃO, baseados em dados da Bloomberg que atualiza diariamente as estimativas sobre o património dos mais ricos do planeta. Poder-se-ia esperar que, dada a urgência em se encontrar uma vacina ou um tratamento eficaz para travar a pandemia, se pudessem estar a fazer fortunas principalmente no setor da saúde. Mas a lista é dominada por empresários da tecnologia. Representam 40% dos que mais enriqueceram nos últimos meses. Apenas 12,5% dos milionários que ganham mais de mil milhões, este ano, são da área de farmacêutica e cuidados de saúde.
“Apesar de muitos negócios estarem em dificuldades para sobreviver, devido ao confinamento global, as maiores empresas de tecnologia continuam à tona e, em alguns casos, a prosperar”, observa Sean Markowicz, analista da Schroders. Mas o especialista realça, numa nota a investidores, que há “um lado negro” nesta ascensão das grandes tecnológicas: “Com os pequenos negócios e start-ups em dificuldades, esta pandemia irá provavelmente tornar as maiores empresas de tecnologia ainda mais poderosas.” E isso tem como consequências a concentração de mercado, menos concorrência e barreiras de entrada a outras empresas. Algo que pode estar a agudizar-se durante a pandemia.
Há 80 multimilionários que enriqueceram em mais de mil milhões de dólares, este ano
Negócios à prova de crise
A fonte da fortuna de Bezos vem na sua quase totalidade das ações que detém da Amazon. A empresa, que fundou em 1994, começou por vender livros online, mas transformou-se num império que domina a distribuição mundial e numa das candidatas a cotada mais valiosa do globo. Com a pandemia, “o encerramento de centenas de milhares de pequenos negócios está a dar à Amazon a oportunidade para aumentar a sua quota de mercado, fortalecer a sua posição nas cadeias de abastecimento e ganhar maior poder de fixação de preços sobre os consumidores”, refere-se num relatório recente do Institute for Policy Studies sobre a evolução do património dos norte-americanos mais ricos. Não é por acaso que as ações da Amazon valorizam mais de 30% este ano. MacKenzie Bezos, antiga mulher do patrão da Amazon, também tem beneficiado. As ações que recebeu no acordo de divórcio valorizam 12 mil milhões de dólares este ano. No entanto, apesar destes ganhos, a atuação da gigante de comércio eletrónico durante a pandemia tem sido alvo de críticas, devido aos surtos da Covid-19 em vários dos seus armazéns. Há trabalhadores que avançaram com processos, acusando a empresa de não lhes garantir os equipamentos e condições de segurança apropriados.
Tesla
Elon Musk
O setor automóvel travou a fundo com a pandemia – mas não é o caso da Tesla. A construtora fundada por Elon Musk meteu o turbo e quase que duplica de valor em bolsa, este ano, o que levou a um aumento de 15,3 mil milhões de dólares na fortuna do excêntrico empreendedor. Musk tem desafiado as medidas de confinamento que afetam a sua principal unidade de fabrico na Califórnia, e têm existido alguns relatos de preocupação da parte de funcionários sobre alegadas pressões para regressarem ao trabalho. No meio do colapso económico e das tensões sociais nos EUA, Musk conseguiu ainda colocar dois astronautas em órbita a bordo da SpaceX, dando um passo de gigante na grande corrida dos privados ao Espaço. O empresário tem um património de 42,9 mil milhões de dólares e desbloqueou bónus chorudos, ligados ao desempenho da Tesla.
Mas não é só a gigante do comércio eletrónico e a fortuna de Bezos a crescer cada vez mais. Elon Musk, que conseguiu colocar dois astronautas no Espaço a bordo da SpaceX em plena crise, ganha mais de 15 mil milhões de dólares, este ano, muito à conta da aceleração das ações da Tesla. Duplicam de valor este ano, com a empresa a emergir mais forte, enquanto as construtoras tradicionais se debatem com os efeitos da crise.
Facebook
Mark Zuckerberg
Confinados em casa, foram cada vez mais aqueles que passaram tempo nas redes sociais e serviços de mensagens. A utilização do Facebook bateu recordes, nos últimos meses. Apesar da incerteza sobre o investimento publicitário, a gigante tecnológica tem valorizado em bolsa, o que permite a Mark Zuckerberg continuar a aumentar a sua riqueza. O fundador da rede social ganha mais de nove mil milhões de dólares, este ano, e tem um património avaliado em 87,4 mil milhões de dólares. É a quarta pessoa mais rica do mundo, atrás de Jeff Bezos, Bill Gates e Bernard Arnault, estando a aproximar-se do fundador da Microsoft e do patrão da Louis Vuitton, que estão a perder dinheiro, desde o início do ano.
Mas há mais exemplos. A Microsoft ganhava 16% desde o início do ano até ao final da semana passada, o que levou a fortuna do seu antigo presidente Steve Ballmer a aumentar mais de 9 mil milhões para 67,1 mil milhões de dólares. O património de Mark Zuckerberg cresceu também em nove mil milhões, fruto da subida de 10% das ações do Facebook. É a quarta pessoa mais rica do planeta, com uma fortuna avaliada em 87,4 mil milhões de dólares. Já Larry Page e Sergey Brin, fundadores da Google, engordaram os seus patrimónios em quase quatro mil milhões de dólares. Estas empresas beneficiaram da nossa maior dependência das plataformas digitais para trabalharmos e estarmos em contacto com amigos e família, durante o confinamento.
Microsoft
Steve Ballmer
A era do teletrabalho e das reuniões à distância aumentou o recurso a programas da Microsoft, como o Teams e o Skype. Os investidores premiaram as ações da empresa, e a conta bancária de Steve Ballmer agradece. O antigo presidente-executivo da tecnológica mantém-se como acionista de referência, contrariamente a Bill Gates que cortou a sua presença no capital da cotada. E, só desde o início do ano, o património de Ballmer valorizou cerca de nove mil milhões de dólares. A fortuna do multimilionário está avaliada em 67,1 mil milhões de dólares. O veterano da Microsoft detém os LA Clippers, uma equipa da NBA, e, segundo a Forbes, doou, nos últimos anos, dois mil milhões de dólares para um fundo de combate à pobreza nos EUA.
No top 10 dos norte-americanos que mais enriquecem, este ano, apenas um não está ligado ao setor tecnológico. Trata-se de Leon Black, o fundador da Apollo, uma sociedade de private equity especializada em comprar empresas em dificuldades para, depois, reestruturá-las e vendê-las a preços mais altos em tempos mais favoráveis do que os atuais. Esta entidade já operou em Portugal, tendo comprado a Tranquilidade ao Novo Banco, alienando a seguradora, mais tarde, por um montante bem mais elevado.
China vs. EUA
O Institute for Policy Studies indica que, entre 18 de março e 10 de abril, mais de 22 milhões de pessoas perderam o emprego nos EUA. Nas mesmas três semanas, a riqueza dos multimilionários do país aumentou 282 mil milhões de dólares, um ganho de quase 10 por cento. Mas se historicamente dominavam a lista dos que mais rapidamente conseguiam enriquecer, os norte-americanos agora têm uma concorrência chinesa cada vez mais forte. As disputas comerciais e a guerra fria tecnológica entre as duas potências económicas estão a levar também a um mano a mano no ranking dos que mais enriquecem.
Pinduoduo
Colin Huang
O empreendedor de 40 anos é o principal acionista a Pinduoduo, empresa que ele fundou e que é uma das plataformas de comércio eletrónico mais populares na China. O seu negócio cresceu de forma significativa durante o confinamento, nesse país, e a fortuna de Colin Huang valoriza 15,7 mil milhões de dólares este ano, fruto da subida de 75% das ações da empresa que negoceia na bolsa norte–americana desde meados de 2018. É o segundo multimilionário que ganha mais este ano. A tecnológica tem parcerias com a Amazon, mas já se viu envolvida em alguma controvérsia, devido à alegada venda de produtos contrafeitos. Antes de fundar a Pinduoduo, o multimilionário chinês estagiou na Microsoft, esteve nos quadros da Google e fundou empresas de comércio e de jogos online. Tem uma fortuna avaliada em 35,3 mil milhões de dólares.
A lista dos que estão a aumentar a sua fortuna de forma mais rápida é dominada por chineses e norte-americanos
Dos 80 super-ricos que ganham mais de mil milhões este ano, quase um terço vem da China. São 25 empresários (30 se forem incluídos os multimilionários baseados em Hong Kong) e batem os 23 norte-americanos nessa lista. Também no Império do Meio tem sido o setor tecnológico a permitir o crescimento mais rápido de grandes fortunas. Um dos grandes vencedores nesta crise é Colin Huang, fundador da plataforma de comércio eletrónico Pinduoduo que cresceu de forma significativa durante o confinamento na China. O empreendedor de 40 anos enriquece 15,7 mil milhões de dólares, este ano. Já Eric Yuan, o líder da Zoom, aumentou a sua conta em mais de oito mil milhões de dólares. A plataforma tornou-se indispensável nesta era de teletrabalho e de reuniões à distância.
Zoom
Eric Yuan
Quem esteve em teletrabalho e precisou de fazer videoconferências muito provavelmente recorreu à plataforma Zoom, que era bastante desconhecida antes da pandemia. As ações dessa empresa valorizam cerca de 200% este ano, devido ao boom da utilização desta aplicação, o que fez catapultar a riqueza do seu fundador. Eric Yuan ganha mais de oito mil milhões de dólares, este ano, e tem uma fortuna avaliada em 11,6 mil milhões de dólares. Nasceu na China e tem Bill Gates como inspiração. Após várias tentativas falhadas por falta de visto, conseguiu emigrar para os EUA. Foi quadro da Cisco e chegou a vender a ideia de uma aplicação móvel de videoconferências. O projeto foi chumbado, e Yuan saiu da multinacional para lançar a própria empresa. Colocou-a em bolsa nos EUA e é uma das que mais valorizaram durante a pandemia.
Apesar de as tecnológicas predominarem como os motores mais potentes na criação de riquezas pessoais, na China também há magnatas da saúde a enriquecer de forma rápida. Zhong Huijuan, a presidente da Hansoh Pharmaceutical, ganha mais de cinco mil milhões de dólares, este ano. A sua empresa é especializada em medicamentos anti-infecciosos e para a diabetes. Na lista dos que mais enriquecem no mundo está ainda Li Xiting. Apesar de ser de Singapura, a sua empresa de equipamentos médicos tem grande presença na China. O patrão da Mindray Medical International ganha cerca de 4,5 mil milhões de dólares, este ano.
NetEase
William Ding
Foi o primeiro chinês a fazer mil milhões de dólares no negócio da internet. Atingiu essa marca em 2003. Mas o fundador e presidente da NetEase, uma das maiores empresas mundiais de jogos online e para telemóveis, continua a somar. A tecnológica, que também negoceia nas bolsas norte-americanas, valoriza 35%, este ano, devido à maior procura de este tipo de entretenimento durante o “Grande Confinamento”. A fortuna de William Lei Ding cresce mais de seis mil milhões de dólares, em 2020. O empreendedor de 48 anos detém uma riqueza avaliada em cerca de 25 mil milhões de dólares.
Neste campeonato de riquezas extremas, a Europa tem uma presença mais moderada. Apenas 11% das fortunas que crescem mais de mil milhões este ano são do Velho Continente. O europeu que mais enriquece é o alemão Michael Otto, que construiu um império a partir de uma empresa de entregas de encomendas e que é, agora, um dos gigantes do comércio eletrónico. A sua fortuna cresceu 2,4 mil milhões de dólares. Em Portugal, são poucos os milionários a aumentar os seus patrimónios. Uma das exceções é a família Soares dos Santos. A participação na Jerónimo Martins permitiu uma valorização de 260 milhões de euros da sua riqueza, entre o início do ano e o final da semana passada. Além desse valor, o clã encaixou ainda 70 milhões de euros em dividendos, este ano. O valor de mercado das ações da família na dona do Pingo Doce é de 5,4 mil milhões de euros.
Impostos e desigualdades
O fosso entre os extremamente ricos e os cidadãos comuns tem-se agravado, nas últimas décadas. Nos EUA, por exemplo, entre 1990 e 2020, a riqueza dos multimilionários aumentou 1 130%, enquanto a do cidadão comum cresceu pouco mais de 5%, segundo o Institute for Policy Studies. E a carga fiscal suportada pelos super-ricos tem-se tornado bastante mais leve…
Antes da pandemia, já havia políticos, economistas e entidades a considerarem o aumento das desigualdades como um problema e a sugerirem a criação de um imposto sobre as grandes fortunas ou, pelo menos, de um sistema mais progressivo para conter as disparidades. Agora, com os governos a terem de gastar o que têm e o que não têm para impedirem um colapso social e económico, o tema volta a ganhar força. O Fundo Monetário Internacional alertava para o risco de as desigualdades se acentuarem ainda mais por causa da pandemia. Sugeria ainda “medidas fiscais progressivas”, mencionwando a possibilidade de uma sobretaxa de solidariedade como parte da política de resposta à maior quebra económica desde a Grande Depressão.
No Reino Unido, o debate sobre uma solução deste tipo para ajudar a pagar o plano de recuperação da economia tem aquecido os ânimos, nas últimas semanas. Mas os especialistas em políticas fiscais têm avisado de que avançar com medidas desta natureza exigiria coordenação entre as maiores economias do mundo. No passado, quando alguns países agravaram impostos sobre os mais ricos viram algumas das grandes fortunas mudar de nacionalidade para se esquivarem a essas contribuições. Afinal de contas, ao clube dos super-ricos não faltam meios, engenho e recursos para continuarem a fazer crescer as suas grandes fortunas.