O Governo chegou a um acordo de princípio com os privados da TAP e espera que as negociações fiquem terminadas nas próximas horas. Apesar de relativizar a possibilidade de nacionalização, diz-se no entanto preparado para tomar de imediato “outras medidas” caso não se chegue a um acordo.
“Um acordo de princípio não quer dizer que estamos mais perto da nacionalização. Estamos na fase final de negociação, acreditamos que acordo de princípio chegará a bom porto nas próximas horas,” afirmou a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva. Mas sublinhou: “Estamos preparados para tomar novas decisões caso ele [processo de negociação] se frustre. São processos de negociação complexos, é natural que se prolonguem. Vamos esperar a ver se se concretiza,” acrescentou, no final da reunião do conselho de ministros, recusando mais comentários.
No âmbito das negociações, David Neeleman terá aceitado desfazer-se da sua posição na TAP por €55 milhões. Faltará, para desbloquear o negócio, que a companhia aérea brasileira Azul, de que Neeleman também é acionista, deixe cair a barreira que ainda impede a transação: prescindir de transformar em capital os €90 milhões do empréstimo obrigacionista feito à TAP há quatro anos. A solução global passará depois por uma reconfiguração acionista que, pelo que tem sido noticiado, colocará 72,5% da empresa nas mãos do Estado (absorvendo a participação de Neeleman), mantendo os 22,5% de Humberto Pedrosa, enquanto os trabalhadores também mantêm o peso de 5% que já tinham.
O conselho de ministros aprovou ainda uma resolução “que reconhece o excecional interesse público subjacente à operação de auxílio” à TAP, a injeção de até €1.200 milhões na companhia que já teve luz verde de Bruxelas. A operação estava suspensa por causa de uma providência cautelar apresentada pela Associação Comercial do Porto. Mas a invocação dos prejuízos graves que o impedimento dessa injeção podia acarretar para o interesse público – como já tinha sido admitido pela própria TAP em comunicado – deve retirar agora eficácia à providência cautelar.
“A resolução reconhece que existe grave prejuízo para o interesse público na inibição do ato administrativo que conceda ou autorize que se conceda ajuda financeira ao Grupo TAP ou à TAP, com as consequentes repercussões, de natureza económica e social, para o país,” refere o comunicado do conselho de ministros.
Governo acena com nacionalização
Na terça-feira, no Parlamento, Pedro Nuno Santos admitiu a possibilidade de uma passagem para a esfera do Estado caso os parceiros privados reprovassem as condições apresentadas pelo Estado para viabilizar a injeção de até €1.200 milhões destinada a salvar a companhia e autorizada por Bruxelas.
“Estas são as condições para metermos 1.200 milhões. Aceitam, vamos trabalhar em conjunto. Não aceitam, acabou,” afirmou o ministro das Infraestruturas e Transportes, depois de no dia anterior os administradores indicados pelo acionista privado terem, com a abstenção na votação, inviabilizado as condições apresentadas pelo Estado para injetar até €1.200 milhões na transportadora, intervenção aprovada por Bruxelas.
Em 2016 a companhia brasileira subscreveu €90 milhões em obrigações convertíveis em novas ações da TAP. Se e quando convertidas, essas obrigações com maturidade de dez anos viriam a representar 6% do capital da TAP. A opção de conversão poderia ser exercida a partir de julho daquele ano e a companhia portuguesa poderia amortizar as obrigações no caso de existir um IPO (entrada em bolsa, que não chegou a ocorrer) ou passados quatro anos da emissão desde que a TAP “cumpra com determinados acordos financeiros,” lê-se nos resultados financeiros da Azul. Aceitando deixar de exercer a opção de conversão em capital, a transportadora de Neeleman deverá ficar com as obrigações até ao final da sua maturidade, 2026.
A relação entre as empresas portuguesa e brasileira vai além do acionista comum David Neeleman e desta emissão obrigacionista. Em março de 2016 a Azul sublocou 15 aviões à TAP, tendo recebido no primeiro trimestre deste ano cerca de €3,9 milhões por conta dessa sublocação. Em março do ano passado David Neeleman comprou à HNA parte das ações que a empresa chinesa detinha na TAP e as suas empresas dividem com a HPBG, a 50%-50%, o capital da Atlantic Gateway, que por sua vez detém 45% da TAP antes da reconfiguração agora prevista.
História com cinco anos
David Neeleman e Humberto Pedrosa entraram no capital da TAP na reta final do Governo Passos Coelho, em 2015, e aceitaram mais tarde, já no Governo de António Costa, reverter os termos da privatização, que colocaram 50% da companhia nas mãos do Estado. No final do ano passado surgiram as primeiras notícias do interesse de Neeleman em sair da empresa. Em fevereiro, pouco antes do agravamento da pandemia na Europa, o empresário esteve em negociações para a venda da sua participação à Lufthansa e à United, negócio que não veio a acontecer.
Desde janeiro de 2018 que a comissão executiva da empresa é liderada por Antonoaldo Neves, uma escolha dos privados, cujo consulado ficou marcado pelas polémicas dos prémios a gestores da TAP em ano de prejuízos e, mais recentemente, pela escolha de rotas no reinício da atividade, nomeadamente com acusações de prejudicar o Porto. Esta situação valeu a interposição de uma providência cautelar por parte da Associação Comercial do Porto, agora travada pelo conselho de ministros, para tentar impedir a injeção de até €1.200 milhões em dinheiro público para salvar a empresa das consequências da pandemia do novo coronavírus, que obrigou a cancelar praticamente todas as rotas e a deixar em terra a quase totalidade da frota.
No primeiro trimestre do ano, penalizada por custos relacionados com contratos de fornecimento de combustível e variações cambiais, a TAP registou prejuízos de €395 milhões, mais do que o triplo do mesmo período de 2019. Um período marcado pela emergência do SARS-CoV-2, fecho de fronteiras e medidas de confinamento um pouco por todo o mundo para tentar travar a expansão do vírus e da doença.