No primeiro orçamento da legislatura, é complicado encontrar medidas-bandeira. Possivelmente refletindo a dispersão das negociações multilaterais e a ausência de acordos escritos, o Orçamento do Estado para 2020 dispara em muitas direções, mas sem usar artilharia pesada. Existem propostas com peso simbólico, que o Governo quererá destacar, mas poucas têm verdadeiro peso orçamental, seja para alívio/agravamento de impostos ou subida/descida da despesa. A exceção já vem de trás: o descongelamento de carreiras e promoções e outras revisões de direitos na Função Pública. E a principal bandeira talvez seja mesmo o excedente de 0,2% do PIB. O primeiro em democracia.
É um orçamento prudente com poucas iniciativas financeiramente ambiciosas. Traz 25 milhões para o desconto do IRS dos jovens, 20 milhões para aumentar a dedução para lucros reinvestidos pelas empresas e 19 milhões para o complemento solidário para idosos. Mas, ao contrário de exercícios anteriores, é complicado encontrar medidas que cheguem aos três dígitos.
As que existem saltam à vista. O descongelamento de carreiras e promoções custará 527 milhões de euros no próximo ano, a que se somam mais 118 milhões para revisão de carreiras e outros direitos (Polícia Judiciária, magistrados e técnicos de diagnóstico e terapêutica…) e mais 70 milhões para aumentos salariais propriamente ditos de 0,3%. Um total de 715 milhões de euros, que representa 74% do impacto estimado pelo Governo para a totalidade das medidas de política orçamental para 2020 (970 milhões).
O Governo tem usado estes números para justificar uma proposta de aumento salarial para os funcionários públicos de 0,3%, que deixou os sindicatos indignados. No texto do OE 2020, o Executivo argumenta que a soma de todos os efeitos resulta num aumento médio de 3,2% para os trabalhadores do Estado e que, se tivermos em consideração os últimos 5 anos, a recuperação foi significativa. “Para o período 2015-2020, verifica-se um ganho de poder de compra dos funcionários públicos de 8,3%”, pode ler-se no orçamento. Os representantes dos trabalhadores argumentam que grande parte desse reforço serviu para repor cortes feitos durante a crise.
Apesar dessa variação, as despesas com pessoal em percentagem do PIB deverão ficar estagnadas em 2020 nos 10,8%. O mesmo valor observado em 2019 e 2018.
Para onde vai o dinheiro
Dos 970 milhões de euros de políticas orçamentais, 72 milhões têm origem em perda de receita e 898 milhões em aumento da despesa. No primeiro caso, há até bastantes medidas, mas financeiramente elas praticamente se anulam umas às outras. O alargamento da taxa reduzida de IRC para as empresas e o aumento da dedução de IRS para filhos menores de 3 anos é compensado pelo agravamento do imposto de selo sobre o consumo e medidas de incentivo à descarbonização. O saldo é um ligeiro alívio fiscal, um pouco à imagem do que aconteceu nos orçamentos da legislatura anterior.
Do lado dos gastos, é quase tudo a somar. As únicas medidas de poupança são um exercício de “revisão da despesa” (conjunto de medidas para melhorar a eficiência do Estado) e a reutilização dos manuais escolares. Tudo o resto que está discriminado pelo governo implica mais gastos. Para além das medidas para os funcionários públicos, há 136 milhões para o 1º Direito (programa de apoio à habitação dirigido a famílias carenciadas), 26 milhões para o programa de redução do preço dos passes, 65 milhões para as reformas de longas carreiras e 64 milhões para a prestação social de inclusão (veja a quantificação de todas as medidas em baixo).
No entanto, esta listagem de medidas do governo não esgota as rubricas que afetam o défice do próximo ano. O OE 2020 apresenta um quadro à parte, onde estão listadas as “medidas temporárias”. Falamos de indemnizações devido ao cancelamento de subconcessões, decisões judiciais relacionadas com a Câmara de Lisboa e, a mais significativa, a continuação da saga da recapitalização do Novo Banco. No total, esses pontos penalizam o défice das contas públicas em 905 milhões de euros, 600 milhões dos quais dizem respeito ao antigo BES. A dimensão dos recursos absorvidos pelo Novo Banco também ajuda a explicar a falta de medidas orçamentais mais ambiciosas.
No total, a receita do Estado irá aumentar ligeiramente o seu peso na economia, de 43,2% para 43,5% do PIB. Uma diferença justificada com o crescimento de dos impostos indiretos (3,7%) e diretos (4,2%), assim como das contribuições sociais (3,4%).
Por outro lado, a despesa ficará na mesma: 43,3% do PIB. Essa tem sido a estratégia do Governo: reforçar os gastos, mas sem permitir que eles conquistem espaço em comparação com a economia. Este último valor, caso se confirme, será o mais baixo em 20 anos. Desde 2000, que o peso do Estado na economia portuguesa não era tão baixo.
Para 2020, parte das rubricas não crescem o suficiente para aumentar o seu peso no PIB (consumos intermédios, gastos com pessoal, subsídios) e outras até perdem peso (apoios sociais, juros). O único reforço significativo planeado é no investimento público, com uma previsão de crescimento de 22%. Contudo, esse valor deve ser interpretado com cautela. Nos últimos anos, o Governo tem ficado muito aquém na execução do investimento, o que tem dado uma ajuda (pretendida ou não) na descida do défice. Desde o OE 2018 que Mário Centeno espera que o investimento do Estado atinja os 2,3% do PIB. Essa meta não foi atingida nesse ano. Voltou a ser orçamentada para 2019 e voltou a ficar aquém. Veremos se à terceira será cumprida.
É esta a receita de Mário Centeno: manter mais ou menos o mesmo peso da receita e, apesar de ir aumentando a despesa, fazê-lo a um ritmo inferior ao crescimento da economia. Ela permitirá atingir um excedente orçamental em 2020 – o primeiro desde 1973 – de 0,2% do PIB. O ministro das Finanças espera receber mais 535 milhões do que aqueles que gasta. Ajudada por este movimento, a dívida pública deverá cair para 116% do PIB.
O OE 2020 prevê um crescimento económico de 1,9%, o que significa que não haverá uma aceleração face a 2019. Espera um arrefecimento do investimento (público e privado) e, de forma mais ligeira, do consumo, mas com uma recuperação das exportações. A taxa de desemprego deverá continuar a recuar, atingindo em 2020 os 6,1%. O Governo antecipa ainda que a economia portuguesa se manterá excedentária face ao exterior.
Veja em baixo as medidas de políticas orçamental mais relevantes no OE 2020 e quanto vão custar ou render aos cofres do Estado.