O patrão da Altice, Patrick Drahi, aterrou em Lisboa nos últimos dias de setembro de 2016 mas, dessa vez, não veio só para tratar de negócios. Na carteira trazia um cheque da fundação que criou com a mulher – a Fundação Patrick e Lina Drahi –, no valor de 1,2 milhões de euros, para entregar ao futuro Museu Judaico, em Alfama. Daí a poucas semanas, o empresário de origem judia viria a juntar um novo passaporte português aos dois que já transporta no bolso: um francês e outro israelita. Perto do final do ano passado foi-lhe concedida a nacionalidade portuguesa, ao abrigo de uma lei de março de 2015 que atribui esse direito aos descendentes de judeus sefarditas nascidos em Portugal antes da ordem de expulsão, em 1496.
Patrick Drahi é agora um dos cerca de 500 descendentes de judeus que em pouco mais de dois anos receberam a nacionalidade portuguesa. O seu processo, entregue ainda em 2015, passou pelo crivo da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL), a quem compete certificar a descendência. Um dos critérios é a existência de apelidos de família portugueses. De acordo com a líder da CIL, Esther Mucznik, Patrick Drahi provou ser descendente de três famílias oriundas de Portugal: os Adrehi (nome que terá evoluído para Drahi), os Sicsú e os Amouyal. Dos Adrehi e dos Sicsú, existem registos do seu regresso a Faro no século XIX, depois de terem passado por Livorno (Itália), em direção a Marrocos, Argélia e Tunísia, os países que os acolheram após a expulsão de Portugal.
Na cidade algarvia, os antepassados de Patrick Drahi terão sido influentes membros da comunidade judaica, e a prova está à vista de quem cruzar as portas da Sinagoga de Lisboa. Pendurada no teto, há uma lâmpada de prata, símbolo da luz eterna e da presença de Deus, que resulta da fundição das antigas lâmpadas existentes nos pequenos templos privados das famílias judias que se empenharam na construção da Sinagoga de Lisboa, no início do século XX. No recetáculo da chama, que nunca se apaga, constam, entre outros, os nomes de Judah, Joseph e Reyna Dray, que Esther Mucznik atribui a variações de Adrehi e Drahi. Bom filho a casa regressa?
Não será exatamente assim, a avaliar pelo perfil que traçamos do homem que, num par de anos, comprou a Portugal Telecom e, agora, a Media Capital, investindo cerca de 6,2 mil milhões de euros no País.
Nascido em Casablanca, Marrocos, há quase 54 anos, Patrick partiu aos 15 anos para Montpellier, no Sul de França, com os pais, professores de Matemática. Habituado a um clima quente, alguns registos mostram como terá sofrido com o frio. A adaptação não foi fácil, para um filho de imigrantes magrebinos. Quando se mudou para Paris, já aclimatado, entrou na prestigiada École Nationale Supérieure de Télécommunications de Paris, onde se licenciou em Engenharia.
Com um património avaliado em 14,3 mil milhões de euros, a revista Forbes aponta-o como o 92º homem mais rico do mundo. Hoje, é ele quem estabelece as regras do jogo. Com movimentos rápidos, está a criar um gigante de telecomunicações e de media a partir de França, e não esconde a ambição de desafiar os colossos Google, Facebook e Amazon. Com avanços e recuos, porque na era do digital as certezas mudam todos os dias. Até onde chegará o homem retratado pela imprensa francófona como um “capitalista asceta”, que não gosta de pagar salários altos, veste jeans, usa relógios de plástico no pulso e faz negócios milionários a crédito, com o dinheiro dos bancos?
Dono de uma fortuna construída a comprar barato e a vender caro, avançou, nos últimos anos, para grandes negócios como a compra, por 17 mil milhões de euros, do segundo maior operador móvel francês, a SFR e, de seguida, de dois grandes operadores de cabo nos Estados Unidos da América, a Suddenlink e a Cablevision. Antes já tinha, naquele país, tentado comprar o gigante Time Warner Cable. O próprio admitiu na altura, em maio de 2015, que “não estava preparado para avançar para o negócio”, avaliado em mais de 50 mil milhões de euros.
O capítulo seguinte já foi escrito em português, com a compra por 5,7 mil milhões de euros da Portugal Telecom em 2015 e, agora, da Media Capital, por 440 milhões de euros. Sempre alavancado em dívida, à semelhança dos seus modelos: o magnata dos media Rupert Murdoch e o fundador de um império no cabo nos EUA John C. Malone.
Antes, Drahi tinha adquirido em França as revistas L’Express e L’Expansion, os canais televisivos BFM e o jornal diário Libération, entre outros. Em Israel, já era dono de vários canais temáticos quando investiu no canal de informação i24news, numa aparente jogada para contrabalançar a presença da Al Jazeera no Médio Oriente.
São quatro as geografias nas quais Patrick Drahi ergue o seu império de telecom e media: França, EUA, Israel e Portugal, onde vai pela primeira vez juntar um operador de telecomunicações líder a um canal televisivo número um no mercado. Um ensaio para avançar para mercados de maior dimensão?
Determinação q.b.
Casado, com 4 filhos, reside numa mansão em Cologny, uma zona chique de Genebra, com vista para o lago Léman. A imprensa internacional descreve-lhe a determinação com que encara tanto os negócios como os afetos. Diz-se que pediu em casamento a então estudante de Medicina, que viria a ser sua mulher, uma hora depois de a ter conhecido. De origem cristã ortodoxa síria, Lina aceitou e estão casados há 27 anos.
Num perfil traçado por uma revista suíça, as contradições da personalidade de Patrick Drahi são levadas ao limite. Sem assistente pessoal, o magnata marca as suas reuniões e as viagens de trabalho através do seu inseparável iPhone e, no escritório, o seu único luxo é uma máquina de café Nespresso. Mas, quando está a tratar dos negócios em Paris, estabelece o seu quartel-general no luxuoso Hotel Scribe, bem no centro do coração da Cidade Luz, junto à Ópera.
Os filhos, educados nas melhores escolas de Bristol, Genebra e Telavive, seguiram-lhe as pisadas, distribuídos por Lausana, no Suíça, Bristol, no Reino Unido, e Telavive, em Israel. Nesta cidade, o pai Drahi adquiriu um luxuoso apartamento na famosa Torre Rothschild. Embora pouco envolvido na comunidade judaica, Drahi estabeleceu a sexta-feira, como manda a tradição judaica, dia do jantar de família, na casa de Genebra.
Cultivando uma postura outsider, chocou o mundo dos negócios em 2015, quando declarou, após a compra do operador de cabo Cablevision: “Não gosto de pagar salários. Pago o menos possível”, numa alusão aos bónus de 67 milhões de dólares dos antigos dirigentes americanos. É que, por regra, quando uma empresa muda de mãos, o comprador mostra-se, numa primeira fase, gentil e polido. Mas com Drahi, sucede o oposto. “Trata as pessoas com desprezo desde o primeiro dia”, recorda um antigo quadro da Altice.
Em Portugal, a sua entrada na PT traduziu-se pela saída, em dois anos, de mais de uma centena de funcionários, entre os quais altos quadros da empresa. Sobre outros 3 mil trabalhadores, paira a ameaça de despedimento. Aos fornecedores, foi imposto um corte de 30% nos seus contratos. A receita já tinha sido aplicada em França: depois da fusão entre a Numericable e a SFR, foi posto em marcha um plano de redução de 5 mil funcionários. Os quadros sofreram cortes numa parte dos salários. Agitando as águas, Drahi denunciou publicamente a “opulência” vivida na SFR. “Não tive outra escolha a não ser despedir o treinador e o capitão da equipa. Mudei toda a administração em menos de uma semana. Com o velho, não se faz novo”, justificou.
É assim, com mão de ferro, que a Altice tem alcançado os seus objetivos: Gerar “cash” para pagar os encargos da dívida e financiar as próximas aquisições. Uma atuação que mais parece a de um investidor financeiro.
Negócios na sombra
O grupo deste franco-israelita, agora também português, é como as famosas matrioscas russas: uma sociedade-mãe, que detém sociedades, que detêm outras sociedades. “É uma forma de controlar ativos sem ter de investir o montante necessário caso controlasse cada uma com mais de 50%”, explicava um analista à VISÃO, logo após a compra da PT em Portugal. A maior parte das suas sociedades tem morada fiscal no Luxemburgo e na Holanda, ocultando as estruturas acionistas por detrás do império Altice.
À superfície, o projeto da Altice consiste cada vez mais na formação de um grande grupo internacional, com posições fortes no negócio dos conteúdos editoriais e comerciais, nos países onde o grupo tem presença no setor das telecomunicações. Mas, em França como em Portugal, a política parece estar sempre presente.
Em julho, o primeiro-ministro António Costa fez críticas à empresa durante o debate do Estado da Nação, referindo até que já “tinha escolhido” a sua operadora. Na origem do “ataque”, esteve o “apagão” das antenas de comunicações da PT durante a tragédia de Pedrógão Grande, na qual morreram 64 pessoas.
Em França, quando a Altice fez uma tentativa, frustrada, de adicionar o operador móvel da Bouygues ao seu portfólio, o Governo francês chamou a atenção para o excesso de dívida da empresa: “Atenção, não se deve fundar um império num castelo de areia de dívida”, alertou o antigo ministro das Finanças, Michel Sapin. E, aquele que era na altura ministro da Economia, Emmanuel Macron, acrescentou: “Digo e repito que a consolidação não é desejável para o setor.” O atual Presidente francês admitiu ainda recear que o negócio pudesse ser feito “à custa da morte de postos de trabalho”.
Mas Patrick Drahi considerou tudo isso um exagero e respondeu: “Quando se está concentrado na redução da dívida, é porque existe um problema de crescimento.” “Se parar com o meu desenvolvimento ‘bulímico’, por assim dizer, dentro de cinco anos não terei dívidas. E depois? Isso seria idiota, porque durante cinco anos não teria registado crescimento”, declarou na Assembleia Nacional francesa.
Política à parte, certo é que a Altice não parou de fazer compras desde que em 2014 adquiriu a SFR.
A compra da TVI
Em Portugal, é cedo para perceber o impacto da aquisição da Media Capital nas operadoras concorrentes, como a Nos e a Vodafone, e nos grupos de comunicação social, como a Impresa [dona da VISÃO, do Expresso e da SIC] ou a Cofina. Mas é líquido que pode distorcer o equilíbrio que todos tentavam estabelecer entre si. Não só por introduzir uma dimensão internacional num mercado pequeno e caseiro, até aqui inexistente, mas também pelo fôlego financeiro que a Altice demonstra ter – ainda que muito alavancada em dívida –, em contraponto com o estrangulamento financeiro de algumas empresas em Portugal.
Com a chegada da Altice, vimos uma guerra pelos conteúdos de futebol, quando a PT/Meo deu o pontapé de saída ao negociar diretamente com os clubes os direitos exclusivos da transmissão dos jogos em casa. Aqui, a Nos respondeu e o mercado ficou mais ou menos dividido: Porto com a PT/Meo, Benfica e Sporting com a Nos. Quem ganhou? Os clubes de futebol, em cujos cofres entraram milhões de euros para aliviar a dívida.
No final da partida, ficou tudo mais ou menos na mesma. Os direitos foram parar à Sport TV, cuja estrutura acionista foi aberta pela Nos à PT/Meo e à Vodafone.
O que pode vir a seguir, agora que a Altice quer acrescentar à PT/Meo a Media Capital, dona da TVI, o canal de sinal aberto líder de audiências, da Rádio Comercial também líder de audiências e da Plural, uma das maiores produtoras de novelas da Península Ibérica?
Esta é a pergunta de múltiplas respostas. Desde logo, o poder e a influência. E muitas dúvidas se levantam. Até ao final do ano, estarão em negociação os direitos dos jogos de qualificação da Seleção portuguesa para o Euro 2020, assim como os jogos da Liga dos Campeões. Está dado o pontapé de saída.
(artigo publicado na VISÃO 1272, de 19 de julho de 2017)