Está o Banco Central Europeu (BCE) a ultrapassar as suas competências ao persistir no programa de compra de dívida pública dos países da zona euro? Pode ou não este sistema para controlar a deflação ser considerado uma forma indireta de financiamento? Está ou não a instância bancária europeia a agir de acordo com as funções para que está mandatada? Em suma, está ou não este programa dentro da legalidade?
Estas são as questões que vários deputados da ala mais conservadora da política alemã, alguns mesmo anti-euro, querem ver respondidas pela justiça. A polémica acentuou-se nos últimos tempos e tem dividido políticos, deputados, economistas e até mesmo juízes alemães. Ao ponto de ter havido uma queixa formal junto do Tribunal Constitucional alemão para que se pronunciasse sobre o assunto.
Mas os próprios juízes do Tribunal Constitucional da Alemanha não chegaram a conclusões claras e acabaram por chutar a bola para o Tribunal de Justiça Europeu. Não sem antes lançar mais lenha para a fogueira, expondo as suas dúvidas. “Há sérias razões para acreditar que as moções subjacentes ao programa de compra de ativos violam a proibição de financiamento monetário dos Estados e excedem o mandato do Banco Central Europeu e, assim, transgridem os poderes dos Estados-membros”, declarou o Tribunal alemão, alimentando o medo de muitos contribuintes alemães de que, por via desse programa, estejam a assumir um risco face aos países mais endividados da União Europeia (UE).
A questão aqui é saber se, mesmo tendo o BCE a devida autorização por parte do Tribunal Europeu, não estará a contornar a proibição de financiamento orçamental, ou seja, o impedimento por lei de proceder a novos resgates financeiros, depois do que aconteceu com a Grécia, Irlanda e Portugal.
Agora, a decisão de remeter o assunto para o Tribunal de Justiça Europeu continua a dividir os ânimos. Para uns, a decisão do Tribunal Constitucional alemão significa uma meia vitória, mas temem que o Tribunal de Justiça Europeu meta o assunto na gaveta.
Para outros, a decisão foi sintomática quanto à incapacidade da justiça – e dos próprios Estados – em fazer valer os seus pontos de vista, uma vez que o BCE recebe ordens dos 19 países membros e, grande parte deles, não concorda com a interpretação alemã.
O BCE, por sua vez, diz aguardar a decisão do Tribunal de Justiça Europeu, mas mantém que o programa está coberto pelas funções do seu mandato e que será para continuar. Acrescenta que tomará nota das preocupações do tribunal alemão e aguardará a decisão do Tribunal de Justiça Europeu.
BCE já gastou dois biliões de euros em compra de dívida
O BCE começou a comprar divida pública em março de 2015 e até hoje já aplicou dois biliões de euros. No final de julho, Frankfurt tinha 28,6 mil milhões de euros em títulos da dívida portuguesa.
Se o efeito disto sobre a economia europeis já não era consensual – os países ricos temem estar a continuar a pagar aquilo que consideram os vícios e erros dos países pobres – agora poderá trazer outras consequências. Desde logo, põe cada vez mais em xeque a credibilidade das políticas adotadas pelo BCE.
Além de contribuir para alimentar um potencial conflito entre países pobres e países ricos da zona euro, esta questão que ameaça tornar-se agora também jurídica e judicial pode ser uma forma de pressão para que o BCE vá desacelerando o programa e estabeleça uma meta antecipada para o seu fim. E isso pode começar já em 2018.