Em 2012, o Estado português injetava 1 100 milhões de euros para recapitalizar o Banif e ficava com 99% da instituição financeira. Em troca era exigido um plano de reestruturação, mas em 2015 a solução acabaria por passar pela resolução do banco sob a forma de venda ao Santander. Pelo meio, muitos erros foram sendo cometidos e muitos riscos assumidos. A história teve vários capítulos. Um deles chegou apenas na semana passada às mãos do deputado socialista Eurico Brilhante Dias sob a forma de denúncia. Um conjunto de emails internos trocados entre agências, direções comerciais, funcionários e administradores do Banif que deixam transparecer que houve muitas pressões ilícitas e até aparentemente crimes praticados.
No início de 2013, data de vários dos emails agora enviados, o Banif estava sob forte stresse. A injeção pelo Estado tinha subsequente um plano acordado com o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal para que o Banif realizasse até ao final de junho um aumento de capital destinado a acionistas privados de, pelo menos, 450 milhões de euros para que o Estado deixasse de ter o controlo da instituição. Era esse o argumento usado para convencer os trabalhadores a vender e a comprar eles próprios ações.
Este ex-funcionário, que envia agora os documentos, admite ele próprio ter vendido ações do banco em 2013, pressionado pela sua direção comercial, com o argumento de se tratar de um banco sólido, por ser “maioritariamente público”.
Ora, o uso dessa informação estava vedado. A capitalização pública tinha, entre outras obrigações, a regra de que o facto de o Banif ser em 99% do Estado não podia ser usado como fins comerciais.
A ajuda pública ao banco, aliás, não tinha ainda sido considerada “legal” por parte das instituições europeias.
É por considerar que estas denúncias merecem ser alvo de investigação criminal que Eurico Brilhante Dias enviou toda a documentação para o Ministério Público, com conhecimento para o Banco de Portugal e para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
AÇÕES COMO “ISCO OU REBUÇADO”
A pressão das chefias do Banif foi grande e feita a vários níveis. Num dos emails dá-se nota de uma verificação que terá sido feita para perceber quem eram os funcionários do banco que tinham familiares com contas na sua rede. O objetivo era levá-los a convencer esses familiares a investir também no Banif, o que foi feito em muitos casos.
Eurico Brilhante Dias, que foi também relator da comissão de inquérito ao Banif, explica à VISÃO que o que recebeu indica que “há trabalhadores que defendem que as obrigações do Banif foram colocadas no mercado como isco ou rebuçado” para atrair os acionistas privados e que houve várias práticas duvidosas em todo o processo: “Colaboradores que eram pressionados e recebiam incentivos para vender ações e eles próprios comprarem; familiares desses funcionários que terão também, aparentemente, sido pressionados para participar nesse aumento de capital”, sublinha o deputado. Isto para além de muitas “informações duvidosas” que foram sendo passadas aos colaboradores pelas direções comerciais sobre uma alegada aprovação da Direção Geral da Concorrência da Comissão Europeia do plano de restruturação do banco que chegaria a qualquer momento, mas que na verdade nunca foi conseguida, apesar dos oito planos enviados para Bruxelas.
Há também trocas de emails com diretrizes de gerentes de sucursais, diretores e até um administrador para que sejam os próprios funcionários do Banif a aproveitar a “oportunidade” do aumento de capital para comprar ações do banco. Era preciso, dizia-se, “correr” rapidamente com o Estado do Banif e mostrar que o banco estava sólido para garantir a sua venda a alegados investidores internacionais que estavam interessados na compra.
Conta-se inclusive nessa documentação com um email dos recursos humanos que incentivavam essa compra, colocando à disposição dos funcionários uma linha de crédito para emails o efeito.
Alguns ainda estarão a pagar esses empréstimos.
TRABALHADORES PRESSIONADOS
Esse funcionário que faz a denúncia para o deputado do PS adianta também que houve ordens expressas de diretores comerciais para essa compra, com várias “ameaças” para quem não subscrevesse.
Algo que procura sustentar com emails enviados internamente por diretores comerciais e outras chefias do banco.
Recorde-se que em 2012, o presidente-executivo do Banif, Jorge Tomé, tinha anunciado o fecho de 40 balcões da rede de atendimento a clientes, em dois anos, o que colocava em risco cerca de 160 trabalhadores. A compra de ações do banco pelos próprios funcionários era assim incentivada, vendida como uma “oportunidade” e como a forma de salvar o banco e “correr” rapidamente com o Estado do capital do Banif.
Para dar conforto e garantias de que tudo se iria resolver no Banif, os vários emails internos trocados apontavam vários argumentos de peso. Há o caso de uma notícia da Lusa, com declarações de Joaquim Almunia, em que o comissário europeu da Concorrência dizia em maio de 2013 que estava otimista com a reestruturação dos bancos portugueses, incluindo o Banif. Almunia garantia até que o Banif não era o caso mais difícil para resolver. Já resolvemos casos muito mais difíceis em prazos muito mais curtos”, dizia o comissário. Esta notícia, proliferada depois pela rede interna, chegou ao email de Jorge Tomé, presidente do Banif, através de um deputado e serviu para convencer os trabalhadores de que tudo estava encaminhado com as instituições europeias para se resolver o problema do banco.
FATURA DO ESTADO PERTO DOS 3 MIL MILHÕES
O que é certo é que o aumento de capital do banco foi feito. Mas o sucesso foi relativo. O banco foi resolvido em dezembro de 2015. Quase na véspera de Natal, o Banco de Portugal informava em comunicado que tinha sido decidida “a venda da atividade do Banif Banco Internacional do Funchal, S.A. (Banif) e da maior parte dos seus ativos e passivos ao Banco Santander”. Os ativos problemáticos não estavam incluídos na venda e seriam transferidos para “um veículo de gestão de ativos”. Depois do BPN, BPP e BES, era a vez do Estado ficar com mais uma fatura do setor financeiro. Contas feitas pela VISÃO apontam para perdas do Estado no valor de €2 591,1 milhões (ou €3 080 milhões se incluirmos os €489 milhões injetados pelo Fundo de Resolução). As perdas do Estado ainda podem subir até €3 235,1 milhões, caso a garantia pública sobre os ativos maus venha a ser executada.
Com a resolução começou também um longo processo de passa-culpas entre Estado, Banco de Portugal, gestão do banco e instituições europeias. Por várias vezes, incluindo na comissão de inquérito parlamentar ao Banif, se tentou provar que os funcionários tinham usado o argumento de banco público para vender ações aos clientes, enganando-os deliberadamente sobre os riscos associados.
Nada se conseguiu provar.
Estes emails agora enviados ao Ministério Público podem abrir novamente uma investigação a este processo.
(Artigo publicado na VISÃO 1249, de 9 de Fevereiro de 2017)