O primeiro-ministro, António Costa, considerou esta segunda-feira que o acordo que vai ser proposto aos lesados do BES é “um compromisso equilibrado” que procura minimizar “as perdas existentes” entre quem investiu em dívida do grupo Espírito Santo. “Conseguimos uma solução que não isenta de pagamento quem tem obrigação de pagar, que permite que quem tem direito a receber possa antecipar o que tem direito a receber e que garante aos contribuintes que não terão de assegurar, com o seu esforço financeiro, a ultrapassagem desta situação.”, realçou o chefe do Governo numa apresentação sem direito a perguntas dos jornalistas.
A solução, cujo anúncio esteve inicialmente previsto para a passada sexta-feira, permite aos clientes do BES recuperarem entre 50% e 75% do dinheiro aplicado em papel comercial das empresas insolventes do grupo. Os detalhes do acordo são já conhecidos:
O que é que o Governo vai propor aos clientes do BES?
A recuperação de 50% a 75% do capital investido em papel comercial (dívida) de empresas do Grupo Espírito Santo (GES) que foi vendido aos balcões do BES como se se tratasse de um produto financeiro do banco. A solução consiste na criação de um fundo financeiro que pedirá um empréstimo à banca, no valor de 286 milhões de euros, para pagar a cerca de 2 mil dos 4 mil clientes lesados do BES. Antes da resolução do banco, em agosto de 2014, esses clientes efetuaram 2 143 aplicações financeiras, que hoje, com juros, representam cerca de 490 milhões de euros.
Quanto é que os clientes vão receber?
Os clientes que investiram até 500 mil euros recebem 75% desse valor, com um limite de 250 mil euros por aplicação efetuada. Já os que investiram mais de 500 mil euros, recebem apenas 50%. Mas atenção: só pode ser incluído no acordo quem adquiriu papel comercial das empresas do GES (Espírito Santo International e Rio Forte) aos balcões do BES, Banco Best e BES Açores. À partida, estão excluídos os grandes investidores que fizeram aplicações no estrangeiro.
Como e quando é que os pagamentos vão ser feitos?
Os pagamentos vão ser feitos em três tranches, ao longo de três anos. A primeira representa 30% do capital a recuperar e vai ser paga já no próximo ano. O restante valor será dividido em partes iguais e a segunda e terceira tranches serão pagas entre 2018 e 2019.
Quanto receberá um cliente que tenha aplicado, por exemplo, 100 mil euros? E quando?
Receberá, no total 75% desse valor, ou seja, 75 mil euros em três prestações: 22,5 mil euros no próximo ano, 26,250 mil euros em 2018 e os restantes 26,250 mil euros em 2019.
E se o valor for de um milhão de euros?
Só receberá metade do valor, ou seja, 500 mil euros, seguindo a mesma regra: 30% do valor a recuperar, ou seja, 150 mil euros no próximo ano, 175 mil euros em 2018 e os restantes 175 mil em 2019.
Afinal, receber metade do dinheiro investido é ou não uma boa solução?
Depende. Sem acordo, os lesados podem ir para tribunal e esperar anos pela massa falida das empresas do GES, que deverá render um valor pouco maior que zero… Com acordo, recebem metade ou, na melhor das hipóteses, 75% do dinheiro que investiram e que estão à espera de reaver há já dois anos e meio. É verdade que o acordo beneficia mais quem investiu quantias menores, mas sem ele dificilmente os clientes recuperariam alguma coisa.
E quanto è que os clientes perdem, se aceitarem o acordo?
Logo à partida, 204 milhões de euros. É a diferença entre o total dos créditos reclamados – 490 milhões de euros, já com juros – e o valor dos pagamentos que vão ser feitos – 286 milhões de euros.
Porque é que vai ser criado um fundo para fazer os pagamentos?
O fundo é um veículo financeiro criado para contrair um empréstimo junto da banca e, de seguida, distribuir esse dinheiro pelos lesados durante os próximos três anos. As principais razões prendem-se com a necessidade de não afetar o défice orçamental nem envolver o dinheiro dos contribuintes – mas poderá não ser bem assim.
Quando é que o fundo começa a pagar?
Ainda vai demorar algum tempo. O veículo que vai gerir os pagamentos só poderá ser constituído se pelo menos 50% dos clientes aceitarem a solução do Governo. Só depois poderá negociar um crédito com a banca e iniciar os preparativos para a devolução do dinheiro.
Os clientes terão de aceitar já o acordo ou têm um tempo para refletir?
Terão um mês para decidir se aceitam ou recusam o acordo.
Os processos em tribunal vão continuar?
Os clientes do BES que aceitarem a solução do Governo terão de desistir das ações judiciais contra entidades como o Banco de Portugal, CMVM, Fundo de Resolução, Estado, Novo Banco ou o seu futuro comprador. Em contrapartida, o fundo a criar assumirá esses processos em tribunal contra os responsáveis pelo calote, como ex-administradores do BES, auditores, etc. Se, com essas ações, recuperar mais alguma verba para além do valor do empréstimo que vai contrair, terá de reembolsar os clientes lesados, pois não pode ter fins lucrativos.
Os contribuintes vão ser chamados a pagar o investimento dos clientes do BES?
Essa é uma hipótese muito provável. Se o veículo financeiro não recuperar todo o dinheiro que vai entregar aos lesados, será acionada uma garantia do Estado e uma contragarantia do Fundo de resolução para pagar o empréstimo de 286 milhões de euros aos bancos. Nesse caso, será o Estado e o Fundo de resolução a suportar os pagamentos aos investidores do BES – portanto, os contribuintes,
Porque é que o Fundo de resolução é envolvido?
Terá sido o Governo a decidir o envolvimento do Fundo de resolução, detido pelos bancos nacionais. Em teoria, o custo da solução será sempre dos bancos que participam no Fundo de resolução, e não dos contribuintes. Mas como o Fundo de resolução não tem dinheiro suficiente para suportar tantos encargos, muito provavelmente será o contribuinte a pagar.
Quem negociou a solução?
O advogado Diogo Lacerda Machado, amigo pessoal do primeiro-ministro e muito questionado pela oposição pela sua participação em negociações como a dos lesados do BES ou a da reversão da privatização da TAP. Para este acordo, realizaram-se vários contactos desde março com a associação dos lesados do BES, o Banco de Portugal, Fundo de resolução, Novo Banco e CMVM.