Em 2015, a Uniplaces deixou o meio tecnológico português de boca aberta ao angariar, de uma só vez, 22 milhões de euros numa ronda de financiamento série A. Quem apostou assim na startup de Miguel Santo Amaro foi o fundo Atomico, do co-fundador e presidente do Skype Niklas Zennstrom.
Com receitas a crescer 500% ao ano e a recrutar cada vez mais pessoas (atualmente emprega 140 trabalhadores), a Uniplaces tornou-se um símbolo do hub tecnológico nacional – foi na sua sede, junto ao Rossio, em Lisboa, que o primeiro-ministro lançou o programa de apoio ao empreendedorismo Startup Portugal.
Nesta conversa com um dos três fundadores da empresa, tentamos descodificar a receita deste sucesso.
Como é que os três fundadores da Uniplaces, cada um com a sua nacionalidade, se conheceram?
Nasci, vivi e estudei no Porto até aos 18 anos, altura em que fui para a Universidade Nottingham, em Inglaterra, onde tirei o curso de Finanças, Contabilidade e Gestão. Aí conheci o Ben (Ben Grech, um dos fundadores da Uniplaces). Já tinha alguns negócios de família, sempre tive o gosto pelos números e fui para Finanças para tentar perceber como é que as empresas funcionavam. Com o Ben criei o clube de empreendedorismo da universidade e, mais tarde, um clube de empreendedorismo a nível nacional nacional (o NACUE – The National Consortium of University Entrepreneurs).
E enquanto tirava o curso andava pelo mundo…
Fazia estágios de verão todos os anos, durante três meses, e, nesse âmbito, passei pela banca de investimento, fiz voluntariado em África e trabalhei no projeto de microcrédito do Nobel da Paz Muhammad Yunus, no Bangladesh. O bichinho do empreendedorismo surgia em mim com a ideia de lançar o microcrédito em Portugal, porque, na altura, 2010, era uma alternativa ao facto de os bancos não estarem a emprestar dinheiro, em virtude da crise. Mas em Dhaka fiquei desapontado com o modelo e percebi que não era a melhor altura para apostar naquilo… Então fui para os Estados Unidos da América tirar o mestrado em Empreendedorismo no Babson College (Massachusetts). Tinha 20 anos. Esse mestrado é dado entre os EUA, a França e a China. Na China acabei por trabalhar em empresas de investimento locais e conheci o Mariano (Mariano Kostelec, outro dos fundadores). Tínhamos o Ben como amigo comum. O Mariano era um argentino/esloveno a viver em Pequim e eu um português a viver perto de Xangai…. Tínhamos a mesma idade, amigos em comum, gostei da ambição dele e, em 2011, com o Ben, resolvemos lançar a Uniplaces na Europa.
Qual era a vossa ideia para a Uniplaces?
Em 2011, a Europa não tinha Airbnb, não tinha Uber, era um mundo sem Snapchat e sem Whatsapp – uma grande diferença com aquilo que eu já tinha começado a ver nos EUA, com o Facebook não só a explodir como já a diversificar para outros segmentos. No início, a Uniplaces até éra um pouco o Airbnb para estudantes, mas nós olhamos para o mercado de forma completamente diferente, não só do alojamento, mas da experiência total universitária. Um alemão que venha estudar para Lisboa não tem só de encontrar casa; tem de escolher o bairro, de ver onde é que os amigos vão ficar, e pode querer ter conta bancária, telemóvel, serviços como água, luz, gás, internet, ginásio, saber onde pode sair à noite, restaurantes, supermercados, transportes… Queríamos simplificar ao máximo a experiência de encontrar uma casa quando um estudante vai estudar para outra cidade. Primeiro, falar a língua do estudante. Os portais são todos em português e, para um estudante que não fale português, é complicado. Depois, estes portais acham que a pessoa já conhece a cidade. Quando eu vim do Porto para Lisboa não sabia que o Chiado não existia enquanto freguesia. Recomendaram-me o Chiado, depois cheguei aqui e percebi que era caríssimo, praticamente só para turistas, e que não existia no mapa. Só pela freguesia.
Como foi o início?
Sabíamos que queríamos trabalhar os três juntos, que queríamos fazer uma startup tecnológica e fomos para o Porto porque começar em Londres, embora mais fácil para angariar capital, saía mais caro. Nos primeiros três meses vivi em casa dos pais, onde já não vivia há cinco anos. Mas rapidamente percebemos que tínhamos de ir para Lisboa, onde tínhamos mais contactos e havia mais investimento disponível. Fomos o primeiro projeto a incubar na Startup Lisboa, em 2012, a convite do João Vasconcelos (actual secretário de Estado da Indústria). O período de incubação não chegou aos 18 meses e fizemos uma primeira ronda de investimento com um grupo de business angel, a Shilling Capital, que entrou com dois empreendedores ingleses. Angariámos 200 mil euros. No ano seguinte fizemos outra ronda em que entrou a inglesa Octopus Ventures, que ainda hoje está no nosso conselho de administração. A última ronda foi no ano passado, liderada pela Atomico, onde entrou também a Caixa Capital, num total de 22 milhões de euros de investimento.
Como se consegue o equilíbrio entre a necessidade de financiamento e a cedência de capital da empresa?
Na Uniplaces, os três fundadores hoje já não são maioritários, mas temos maioria no conselho de administração. Um conselho que dou é nunca olhar para o investimento como medida do sucesso nem como resultado final. O melhor de tudo seria nunca ter de angariar capital. Porque dispersar capital não só complica a gestão da organização (estrategicamente são mais pessoas a pensar, mais opiniões diferentes) como tem efeitos na motivação dos fundadores, que vêem reduzida a sua participação à medida que se fazem rondas de investimento. Por outro lado, ir buscar capital de risco permite crescer mais rápido. Hoje em dia é muito difícil construir um negócio à escala mundial, com crescimento acelerado, a usar apenas os próprios lucros. É possível e há quem o faço – esses, sim, são os verdadeiros casos de sucesso. Mas na Europa, os chamados unicórnios digitais angariaram, em média, 150 milhões de dólares para conseguirem chegar onde estão. O timing é muito importante e, se um concorrente entra com mais ambição e mais agressividade, corremos o risco de perder oportunidades.
Qual é a vossa estratégia para ganhar escala?
Temos casas e quartos em mais de 39 cidades europeias. E temos seis cidades onde queremos ganhar o mercado, ou seja, torná-lo o mais lucrativo possível (Lisboa, Porto, Madrid, Barcelona, Berlim e Milão). Temos escritórios locais para angariar clientes locais e criar com eles mais interação. Continuamos a ter escritório em Londres, mas é um mercado que ninguém vai ganhar nos próximos 12 meses. A lição que aprendemos é que a priorização e o enfoque é algo, curiosamente, muito difícil numa startup – por um lado temos pouco dinheiro, mas por outro queremos crescer e tornarmo-nos uma multinacional muito rápido. Isso acaba por criar problemas de crescimento graves onde não se controla a cultura da empresa, o recrutamento se torna mais complicado a estratégica fica desfocada porque os mercados são diferentes (para ganhar a Alemanha ou a Itália a estratégia não é a mesma). Não se consegue ganhar tudo, é preciso escolher as batalhas.
A sede da Uniplaces é em Lisboa. Tem facilidade em recrutar trabalhadores especializados nestas áreas, em Portugal?
Empregamos hoje 140 pessoas no total. A sede e o escritório principal estão em Lisboa e aqui temos todos os chefes de equipa (marketing, engenharia, produto, equipa financeira, etc). Tem sido um ponto diferenciador em termos de recrutamento e em relação a muitas startups portuguesas, que levam o seu escritório principal lá para fora. Nos recursos humanos temos três áreas de talento: primeiro, os jovens que vêm diretamente da faculdade, ou com poucos anos de experiência, e nós apostamos na sua formação interna. São jovens fantásticos que já não têm como grande objetivo ir para uma grande empresa, mas começar numa startup. Depois temos os portugueses que trabalhavam lá fora e quiseram voltar para Portugal. Finalmente, temos os estrangeiros, que são quase 40% da força de trabalho. São talentos que, à partida, seria muito difícil encontrar em Portugal por causa do tipo de experiência que têm. Em Portugal não temos uma Google, uma Yahoo ou um Facebook, que tenham dado esse tipo de experiência aos nossos profissionais.
Quais são os grandes números da Uniplaces?
Em termos de receita estamos a crescer quase 500% ao ano. Somos líderes europeus e o mais importante, neste momento, não é a faturação, mas sim provar que o modelo é escalável e funciona. Queremos consolidar a nossa liderança europeia antes de entrar em mercados como os EUA, a Ásia ou a América Latina. Espero no final do próximo ano já ter um passo fora da Europa. Até agora angariámos 30 milhões de euros de financiamento.
Como é que vê actualmente o “ecossistema” português das startups?
Está tudo diferente desde 2011 para cá. Começámos a ter empreendedores tecnológicos na Startup Lisboa, na Beta-i… uns por necessidade, porque perderam o emprego, outros porque decidiram que era a altura certa. Também começámos a ter investidores portugueses, Business angels e fundos; nos últimos dois anos até já há capital português interessante, com escala, para investir em startups… E no último ano começámos a ter startups portuguesas a angariar mais de 20 milhões de euros, o que dá logo outra dimensão. Outra grande mudança – e a Web Summit ajuda muito – é ter grandes investidores e fundos internacionais a olhar para cá. Ninguém vinha a Lisboa e agora vêm, há quem venha todos os trimestres. Lisboa é hoje um tech hub reconhecido a nível internacional, algo que não acontecia antes. Conseguimos atrair para Portugal talento estrangeiro altamente qualificado, o que era muito difícil até há dois anos.
Tudo “culpa” dos Millennials (nascidos entre 1980 e 1996). Como caracteriza esta geração?
Os Millennials são globais. Somos a primeira geração pós-25 de Abril e já não temos a síndrome do pequenino nem a síndrome do “mercado de 10 milhões que nos chega”. Olhamos para o mundo, não só para Portugal. Queremos ser o Cristiano Ronaldo e não apenas o melhor jogador do Benfica.