O primeiro trimestre do ano foi aterrador para a Apple. As receitas da tecnológica norte-americana caíram pela primeira vez em 13 anos. As vendas do iPhone, o smartphone que há mais de uma década permitiu que a empresa se salvasse e que foi a arma secreta para companhia se reinventar, encolheram em 10 mil milhões de dólares – uma queda de 16,34% face aos primeiros três meses de 2015.
O problema é que para uma empresa à qual nunca tinha passado pela cabeça meter-se nos negócios das comunicações, o iPhone acabou por ganhar um peso preponderante na faturação – cerca de 70 por cento.
Após uma ascensão meteórica ao longo de 13 anos, os gestores da Apple terão de dar voltas à cabeça para arranjar maneira de convencer os investidores de que esta quebra de vendas foi apenas um percalço passageiro.
Um dos obstáculos que vão encontrar são as opiniões de analistas de já decretaram o fim do crescimento exponencial e que o iPhone já atingiu o ponto de saturação.
A queda em bolsa das ações da Apple são um reflexo dessa situação. Há 11 meses, a 29 de maio de 2015, a cotação dos seus títulos atingiram o maior pico dos últimos cinco anos: 130,67 dólares. Esta sexta feira, 29 de abril eram transacionadas a 94,83 dólares, menos 27,43 por cento.
Preocupações com a China
Só na China, o mercado mais importante da Apple a seguir aos Estados Unidos, as vendas de iPhones declinaram 26% e as perspetivas de uma melhoria não se vislumbram a curto prazo.
Terão sido as preocupações com a China que levaram o principal investidor da Apple a desfazer-se do capital que detinha na empresa. “Já não temos qualquer posição na Apple”, anunciou Carl Icahn, esta quinta-feira, 28. O magnata terá vendido, em fevereiro, a participação que lhe restava na empresa. “Saí porque estou preocupado com a China”, disse o investidor.
A empresa fundada, em 1976 na garagem de Steve Jobs, tem mantido uma relação tranquila com a China, onde criou inúmeros postos de trabalho para produzir os seus gadgets tecnológicos e onde vende mais iPhones e iPads do que na Europa.
Icahn intuiu que essa relação está a mudar. Não foi tanto o declínio das vendas de iPhones no Império do Meio que o levou a vender as ações. Mas mais o facto de os reguladores chineses terem bloqueado os serviços iTunes Movies e iBooks, da Apple. O que, segundo ele, revelou que a empresa não é imune ao regime autoritário de Pequim.
A verdade é que o magnata, muitas vezes apresentado como filantropo, já tinha começado a alienar a sua participação no último trimestre do ano passado, quando vendeu sete milhões de ações da empresa, mantendo 45,8 milhões num valor de 4.800 milhões de dólares.
Mercado a estagnar
No primeiro trimestre deste ano, o mercado mundial de smartphones já começou a dar sinais de abrandamento. Segundo os analistas da International Data Corporation (IDC), no primeiro trimestre deste ano ter-se-ão vendido smartphones num valor de 334,9 milhões de dólares em todo o mundo. O que representa um aumento muito marginal de 0,2% face aos valores verificados um ano antes. Foi o crescimento menos significativo desde que há registos. Os analistas atribuem esse desempenho a uma forte saturação do mercado em países desenvolvidos bem como ao declínio das vendas dos dois líderes – a Samsung e a Apple.
A grande alteração do primeiro trimestre foi a ascensão ao Top 5 das vendas de duas marcas chinesas pouco conhecidas a OPPO e a vivo (assim mesmo, tudo com minúsculas), que afastaram a Lenovo e a Xiaomi (também elas chinesas) dos lugares cimeiros.
Com a Huawei em terceiro lugar, três das cinco marcas mais vendidas são chinesas. Tanto a Huawei, a vivo como a OPPO, jogam forte no segmento dos smartphones que custam menos que 250 dólares.
E se bem que a vivo e a OPPO sejam virtualmente desconhecidas no Ocidente, se seguirem as pisadas da Huawei podem afirmar-se no topo. Recorde-se que a Huawei, depois da sua penetração nos segmentos mais baratos, afirmou-se na China como marca premium e começa a ser reconhecida como tal no Ocidente.
A Apple pode ter declinado. Mas o certo é que os seus gestores continuam a ter muitos argumentos para convencer os investidores. A empresa ainda vale uns 550 mil milhões de dólares. As vendas totais de 2015 ascenderam aos 230 mil milhões de dólares (10 anos antes foram 14 mil milhões). Entre as companhias cotadas em Nova Iorque, é das que têm mais liquidez; é talvez a marca mais forte do mundo, com uma das melhores redes mundiais de vendas a retalho e um séquito de 500 milhões de consumidores, geralmente fiéis. Conseguiu tudo isso em rutura permanente com o senso comum do mundo dos negócios: vende um punhado de produtos caros, investe rios de dinheiro no design e na inovação, e recusa-se a baixar preços para estar taco a taco com os seus concorrentes. Rebentou também com os dogmas tecnológicos como aquele que diz que um padrão aberto (por exemplo, sistemas operativos correm em qualquer hardware), como o Windows ou o Linux) bate qualquer “plataforma proprietária”. São argumentos de peso, se houver quem os oiça.