O Banco Central Europeu (BCE) desceu as três taxas de juro e anunciou um aumento para €80 mil milhões dos gastos mensais com o programa de compra de ativos para estimular a economia. Mario Draghi disparou de novo a bazuca, um pouco mais longe até do que o esperado pelos mercados. E – facto inédito – mostrou-se disposto a pagar juros aos bancos que efetivamente venham a conceder crédito à economia… com dinheiro emprestado pelo próprio BCE.
No final da reunião mensal do BCE, foi anunciado que a taxa de juro de referência desce cinco pontos base para 0%, a taxa de facilidade permanente de cedência de liquidez diminui cinco pontos base para 0,25%, e a taxa de depósitos cai 10 pontos para -0,4%. Com a redução para 0% da principal taxa de juro, o BCE está a dar um sinal inequívoco da sua vontade em fornecer liquidez às instituições financeiras, não lhes cobrando juros pelo dinheiro que lhes empresta. E, ao manter em valores negativos a taxa de juro aplicada aos depósitos que os bancos fazem junto do eurosistema, “cobrando-lhes” juros por isso, o BCE está a dar outro sinal do quanto está disposto a fazer para incentivar a “circulação” desse dinheiro.
Mas a surpresa maior veio do anúncio do lançamento de quatro novos empréstimos de longo prazo (conhecidos pela sigla TLTRO) às instituições financeiras da zona euro. É que, se estas ultrapassarem determinados montantes no crédito concedido à economia, o BCE pode vir a pagar juros pelo dinheiro emprestado aos bancos, em vez de lhes cobrar. Na conferência de imprensa, Mario Draghi explicou que “os bancos pagam a taxa diretora [de zero] no momento da operação e podem ter uma redução [para valores de -0,4%] se aumentarem o crédito concedido”. Isto quer dizer que o BCE está disponível para pagar juros aos bancos que efetivamente utilizem o seu dinheiro para conceder crédito à economia.
Reforço de €240 mil milhões
Já a expansão do programa de compra de ativos (quantative easing, no original) vai traduzir-se por uma subida dos anteriores €60 mil milhões para €80 mil milhões, a partir de abril, reforçando em €240 mil milhões o investimento original de 1,1 €biliões. Este tipo de programa, adotado em tempos pelo Banco do Japão e pela Reserva Federal dos EUA, com resultados diferentes, destina-se a injetar liquidez no sistema financeiro europeu em troca dos ativos nas carteiras das instituições financeiras, que podem ser títulos de dívida pública e privada ou – outra novidade saída da reunião mensal do BCE – obrigações de empresas não financeiras da zona euro, entre outros.
O objetivo é fazer chegar esse dinheiro à economia real, incentivando os bancos a darem mais crédito às famílias e às empresas para estimular o consumo e trazer a inflação de regresso a um valor próximo de 2 por cento. Mas a tarefa está a revelar-se difícil, com o índice de preços no consumidor na zona euro a situar-se em -0,2% em fevereiro último, apesar da “bazuca” de Mario Draghi estar em ação desde março de 2015 – há precisamente um ano.
Com as decisões de ontem, o BCE cria mais espaço nos balanços dos bancos para poderem atribuir mais estímulos à economia. A primeira reação dos investidores, que se mostraram surpreendidos com a amplitude de algumas destas medidas, foi no sentido da desvalorização do euro face ao dólar (o que favorece a inflação). As bolsas europeias saudaram o anúncio do BCE, com valorizações. E os juros da dívida pública da zona euro desceram, inclusive em Portugal.