O sorriso franco acentua-lhe as covinhas da face. A atitude humilde, sem qualquer resquício de arrogância, encoraja a aproximação. Para todos os que a quiseram cumprimentar, ela teve uma palavra de simpatia, de cordialidade. Serena, Isabel dos Santos assumia o papel de mulher de Sindika Dokolo, na inauguração da exposição You love me, you love me not, a semana passada, no Porto.
E nem o facto de, no decorrer desta cerimónia, se ter tornado público o chumbo da administração do BPI – do qual é a segunda maior acionista – ao preço oferecido pelo La Caixa na Oferta Pública de Aquisição lançada sobre o banco, fez com que Isabel dos Santos mostrasse o seu lado de empresária-dura-de-roer. “Estamos aqui para falar de arte, não do BPI”, dizia docemente a todo o jornalista que a questionava.
Isabel e Sindika são o casal do momento. Ela, porque está no epicentro de uma guerra com o grupo catalão La Caixa, o maior acionista do BPI. À ofensiva espanhola, contrapôs uma proposta de fusão do BPI com o BCP, da qual resultaria o maior banco privado português, com estrutura acionista mais ou menos equilibrada, assente na representação angolana, catalã e portuguesa, capaz de manter os centros de decisão em Portugal. Uma investida algo inédita e surpreendente, por ter sido avançada por uma acionista e não pela equipa de gestão, como é habitual.
Ele, porque escolheu o Porto para apresentar, na Galeria Municipal Almeida Garrett, parte da sua coleção de arte contemporânea africana. Escolha que lhe valeu a entrega da medalha de ouro da cidade diretamente das mãos do presidente da autarquia, Rui Moreira, uma atribuição precedida de polémica no seio da vereação, por não se conhecer antes qualquer gesto do marido de Isabel dos Santos em favor dos portuenses.
Foi, por isso, entre a curiosidade e a expectativa que o casal foi recebido. E ambos esmeraram na operação de charme. Apesar da riqueza e do poder que possuem, mostraram-se iguais entre iguais, terrenos, próximos, informais. Dispensaram guarda-costas ou qualquer outro tipo de porta-vozes. Mostraram-se apaixonados – ela olhava para ele com orgulho e ele trocava carinhos com ela – e em ambiente familiar, umas vezes na companhia de dois dos três filhos, outras junto da mãe dele, a dinamarquesa Hanne Taabbel Kruse. Ficariam alguns dias pelo Porto. Quantos?, perguntou a VISÃO. “Não sei, ele é quem manda agora”, respondeu a filha do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
Promessas de futuro
“Este é um ponto de partida para as parcerias entre Porto e Angola e o continente africano”, disse Sindika Dokolo ao receber a medalha de mérito. Mais tarde, na inauguração da exposição, remeteria para as residências artísticas que trarão artistas angolanos até ao Porto e levarão artistas portuenses a Angola, devidamente financiados pela fundação a que preside. E deixava antever uma relação “cheia de promessas de futuro”, frisando que tal “não podia ter acontecido há 15 anos”. Num discurso cheio de subentendidos, mas sempre de conciliação, apontou: esta exposição “não nos dirá o que somos, mas dirá o que não somos, e afastará as representações caricaturais que o mundo tende a criar”. Considerando a arte “um campo universal onde as fronteiras já não têm lugar”, acabou por brincar com o contexto da mulher: “Cantemos juntos os acordes de uma nova harmonia e que os mais céticos não vejam aqui uma OPA mais ou menos amigável sobre a cultura portuguesa.” A sala, que misturava artistas e gente da cultura, empresários como Américo Amorim, políticos como Valente de Oliveira e responsáveis da banca como Fernando ?Teles, presidente do BIC e sócio de Isabel dos Santos, entendeu a mensagem e soltou-se numa gargalhada.
E foram alguns destes convidados, mais todos os funcionários que participaram na montagem da exposição – “desde o carpinteiro ao segurança” – que estiveram presentes no jantar oferecido pela Fundação, no Palácio do Freixo. Isabel e Sindika jantaram no hotel Infante Sagres com o presidente da Câmara Rui Moreira, já longe dos olhares das câmaras fotográficas, mas ainda saíram a tempo de abrilhantar a festa com os seus próprios convidados. Chegaram bem a tempo de ouvir o fado pela voz de Ana Moura e o eterno Cântico Negro, de José Régio, a ser declamado por Pinto da Costa. Sim, ela, tal como o pai, José Eduardo dos Santos, é portista ferrenha! A festa avançaria descontraída na noite ao som de um DJ.
O casal e restante família ficou instalado no Intercontinental, o hotel cinco estrelas que ocupou o recém-recuperado Palácio das Cardosas, no coração da cidade e bem em frente à Câmara Municipal do Porto. Nos encontros oficiais, ela foi fazendo muitas perguntas sobre o setor hoteleiro e sobre os edifícios emblemáticos da cidade, que considerou “muito especial”. O marido, Sindika já conhecia o Porto de visitas anteriores. À VISÃO elegeu um sítio do seu agrado: “um restaurantezinho ali na Foz, mesmo em cima do mar, onde o meu amigo Paulo Azevedo me leva a jantar”.
De verde e vermelho?
No dia seguinte à inauguração da exposição, ele calçou as sapatilhas e voltou à galeria para dar entrevistas, tanto à imprensa nacional, como ao Le Monde e à CNN. Ela manteve a sua agenda no segredo dos deuses. Ficamos sem saber se aproveitou a ocasião para tratar dos seus negócios e fazer jus à sua “fama de dura e implacável nas negociações”. A verdade é que os seus negócios em Portugal são sobretudo feitos no Porto: Américo Amorim, na Galp; Paulo Azevedo, da Sonae, nas telecomunicações e na distribuição; e até o BPI tem ainda um núcleo de acionistas históricos estabelecidos a norte, a maior parte dos quais estiveram com a empresa de Isabel dos Santos, a Santoro, na votação contra o relatório de gestão do BPI. É que, apesar de ter sido unânime o chumbo do preço da OPA do La Caixa, por ser demasiado baixo, consideraram que a equipa de gestão deveria ter ido mais além.
“Caprichosa”, Isabel dos Santos mostra-?-se intuitiva e ágil quando as circunstâncias – ou os seus braços-direitos em Portugal, o economista Mário Silva e o advogado Jorge Brito Pereira – o aconselham. Sabe aproveitar o momento, como aconteceu na OPA lançada a 9 de novembro sobre a PT SGPS (posteriormente retirada), e agora na proposta de fusão envolvendo o BPI e o BCP. Em ambos os casos, surge como a grande defensora do interesse nacional.
“Isabel dos Santos já domina uma boa parte das principais empresas portuguesas e, durante algum tempo, encontrou alguma oposição na opinião pública”, refere Ulisses Pereira, analista da DIF Brokers. E explica: “Angola aproveitou a crise portuguesa para entrar aqui. Antes de 2007, ninguém estava muito disposto para os investimentos angolanos. Depois, as portas abriram-se, pois as empresas estavam necessitadas de liquidez. A seguir, começou a questionar-se a origem do dinheiro, a corrupção em Angola, a falta de democracia…”
Agora, continua o analista, Isabel dos Santos “veste a camisola portuguesa”. “A sua estratégia passa por se afirmar como uma parceira de Portugal, o que é curioso, vindo de quem vem”, acrescenta, exemplificando com as suas declarações quando lançou uma OPA sobre a PT, em que falou em “manter a Portugal Telecom nas mãos dos portugueses”. Agora, quando propôs a fusão do BPI com o BCP, voltou a usar o argumento da necessidade de manter os centros de decisão por cá.
“A sua estratégia empresarial parece-me passar pela entrada em todos os grandes setores de atividade portugueses. Agora quer ter uma posição na economia nacional, um lugar relevante”, analisa Ulisses Pereira, para quem existe também um lado político na aproximação de Isabel dos Santos a Portugal: “Se há 20 anos nos dissessem que uma angolana iria dominar a nossa economia, nós iríamos rir. Há aqui uma vontade de afirmação que, julgo, também a move.”
Amigos, amigos, negócios à parte
E enquanto Sindika acumula obras de arte, Isabel dos Santos cria um vasto império que os representantes da filha do Presidente de Angola dirigem a partir do primeiro andar do número 190 da Avenida da Liberdade, em Lisboa. E de uma forma bastante ativa, capaz de dar algumas dores de cabeça aos seus inimigos, mas também aos seus parceiros, a avaliar pelos acontecimentos dos últimos meses.
A fusão entre a antiga Zon (onde era a maior acionista) e a Optimus, da Sonae, resultou na NOS, empresa líder no serviço de televisão paga em Portugal e numa quase paridade de poder da empresária angolana com Paulo Azevedo. Desde então, Isabel dos Santos não parou. No início de novembro, a NOS disponibilizou-se para fazer parte de uma solução para a PT Portugal que garantisse o “interesse nacional” mas, uma semana depois, Isabel dos Santos avança sozinha e lança uma OPA sobre a PT SGPS, dona de 39% da brasileira Oi, alargando até ao outro lado do Atlântico o seu interesse pelas telecomunicações.
A operação falhou antes de chegar ao mercado e a oferta foi retirada, abrindo caminho à venda da PT Portugal à Altice francesa. Contudo, a retirada fez-se com algum estardalhaço, com a empresária a denunciar os “interesses menos transparentes” que terão levado a administração da PT SGPS a opor-se à OPA, acusando-a ainda de “divulgação de informação falsa” ao mercado.
Já a parceria com a Sonae na distribuição pode estar a ser afetada pelo recente “roubo” de dois dos seus altos quadros, atribuído a Isabel dos Santos. Um incidente com antecedentes, pois o seu braço-direito, Mário Silva, era quadro da Amorim, quando a holding luso-angolana avançou para a Galp Energia. Numa nota interna distribuída pela Sonae, a administração ameaça tomar “todas as medidas legais possíveis” contra Miguel Osório e João Paulo Seara, alegadamente na posse de “informações internas relevantes” sobre o investimento dos hipermercados Continente em Angola, em parceria com a empresária. A concretização deste projeto tem sido consecutivamente adiado, desde o seu primeiro anúncio, na primavera de 2011, a ponto de Paulo Azevedo ter deixado de arriscar uma data de arranque. Talvez esta semana, a apresentação de contas da Sonae faça desvanecer a cortina de fumo que caiu sobre esta parceria.
E, no BPI, a “princesa” instalou o impasse, deixando a equipa de Artur Santos Silva e Fernando Ulrich à beira de um ataque de nervos. Ao contrário das vezes anteriores, desta vez a gestão não tem qualquer controlo sobre os acontecimentos, que só evoluirão quando Isabel dos Santos e o La Caixa chegarem a um acordo. Para já, os espanhóis recusam aumentar o preço oferecido de €1,329 por ação, considerando-o “adequado”. Mas sem o acordo dela não há desblindagem dos estatutos, condição essencial para que a OPA avance.
Isabel dos Santos vai, assim, despertando paixões, mas também não estará livre de ódios. Uma sensação perfeitamente reconhecível no título que o seu marido escolheu para a sua exposição: You love me, you love me not.
Quanto vale o império
Segundo a revista Forbes, Isabel dos Santos tem ativos no valor de 3 mil milhões de euros, um pouco menos do que em 2014
Valor total em março de 2015: €3,1 mil milhões
Valor total em março de 2014: €3,4 mil milhões
Participações em Portugal:
- 50% ?da ZOPT ?(detém 50,01% da NOS)
- 42,5% ?do Banco BIC Português ?(detém 100% do BPN)
- 18,6% ?do BPI ?(detém 50,01% do banco angolano BFA)
- 45% ?da Amorim Energia ?(através da Esperaza Holding, uma parceria com a Sonangol. A Amorim Energia detém 38,34% da Galp Energia)