“Os bancos são os motores de financiamento da economia. É importante para os cidadãos que eles garantam a estabilidade do sistema. Não são anjos nem demónios. É certo que houve abusos tremendos, sobretudo da banca internacional, muito fruto dos bónus dados aos gestores. Mas a nota de futuro é que a pressão dos reguladores é agora tremenda”.
Este foi o mote da abertura do debate lançado por Pedro António, economista e partner da empresa de auditoria PwC, criando algumas divergências entre os restantes participantes: Maria Cândida Rocha e Silva, (presidente do Banco Carregosa), Manuel Castelo Branco (docente da Faculdade de Economia do Porto, especialista em Ética e Transparência) e João Pedro Martins (economista e autor de vários livros sobre offshores).
A crise da banca
Pedro António começou por explicar a evolução e as transformações por que passaram os cinco maiores bancos portugueses desde o estalar da crise, em 2008, precisamente com a falência do Lehman Brothers, nos Estados Unidos. Havia, então, uma “tradição de fazer orçamentos expansionistas”, na banca, tal como no país. E isso passava pela concessão de crédito para o setor imobiliário, “no pressuposto de que este não iria parar”.
Quando o mercado rebentou, seguiu-se “uma tomada de posição do BCE e da Reserva Federal Americana na injeção de liquidez”, explicou. “A maior parte deste dinheiro foi para comprar dívida soberana dos países, com taxas de juro aliciantes. Apostaram também na compra de matérias primas e petróleo, o que provocou uma subida dos preços, criando mais um fator de crise.”
As receitas dos bancos começaram a diminuir em 2009, até apresentarem prejuízos, a partir de 2011. Contudo, este analista considera que a banca reagiu bem, começando por cortar nos custos operacionais e a reforçar os capitais para diminuir os riscos e garantir os rácios de solvabilidade. “Hoje, nem sei se isto é já suficiente, atendendo a surpresas como a do BES”, confessou.
Depois da ajuda externa, em 2011, “o produto bancário gerado pelos bancos continua a descer”. Aumentou-se o capital, reduziu-se a composição dos ativos e o rácio de tansformação (que mede o equilíbrio entre os depósitos e a concessão de crédito) começa a dar os primeiros sinais de estar muito perto do exigido. “Em 2012, há já uma tendência de recuperação”, embora se continue a assistir a uma redução do número de colaboradores.
A captura da política
Se a banca de retalho tremeu, o mesmo não parece ter acontecido com a banca de investimentos, que tem por objetivo principal a gestão de fortunas. Maria Cândida, presidente do Banco Carregosa, assumiu não ter sentido muita diferença. “Já geríamos fortunas e continuamos a gerir. Nunca pretendemos fazer financiamento”. Esta particularidade, excluíu o banco do Porto de ter problemas com créditos incobráveis. “Temos sido muito rigorosos nos custos, assegurando os rácios de solvabilidade. Apresentamos bons resultados e pagamos dividendos. Bancos grandes há muitos e nós queremos ser pequenos e diferentes”.
Mas “os bancos estão no mercado para ganhar dinheiro”, como sublinhou Manuel Castelo Branco. Para além desta verdade inquestionável, há ou não falta de transparência no sistema financeiro?
Há. A regulação ainda peca por defeito. “A desregulamentação e a promiscuidade entre o setor financeiro e político” afetará sempre a economia. Na opinião do especialista em Ética e Transparência, este fenómeno é mais acentuado nos Estados Unidos, mas tudo o que ali acontece “afeta o mundo”. Na Europa, será “mais suave”, mas as “relações entre políticos e financeiros” são igualmente um problema.
“Preocupa-me o poder que o setor financeiro terá sobre a tomada de decisões políticas. O fenómeno das portas giratórias entre o público e o privado deveria ser vigiado”, defendeu Castelo Branco. “O setor político tem de mostrar que não foi capturado pelo financeiro e esta forma de financiamento dos partidos seria de evitar.”
Falta de meios para investigar
Nesta linha de raciocínio continuou o economista João Pedro Martins, também membro do OBEGEF (Observatório de Economia e Gestão da Fraude) e autor de vários livros sobre offshores. “A banca é o ramo legal do crime organizado. Se o dinheiro não for lavado, não pode entrar de novo na economia”, acentuou, recordando o caso Alves dos Reis, uma das grande fraudes da vida portuguesa e indicando a existência de 23,5 biliões de euros a circular fora do sistema. O cenário é o de uma fuga aos impostos, camuflada de “planeamento fiscal agressivo”. E vai mais longe: “Há um conjunto de banqueiros que tem enriquecido com os nossos depósitos. São equiparados aos proxenetas.”
O policiamento destes casos será sempre muito difícil. Por um lado, devido à complexidade das operações, vendidas em sistema de “chave na mão”. Por outro, devido à falta de meios adequados. “As entidades reguladoras e a autoridade tributária são uma espécie de polícias em cima de bicicletas a perseguir Ferraris”, caricaturizou João Pedro Martins.
Banca: anjo ou demónio? Depende da perspetiva, conclui-se. Pedro António não esconde que “há coisas na banca que não deveriam acontecer”. Maria Cândida, assegura que, em 2012, “pagou 5 milhões de euros de impostos”, mostrando-se espantada com a quantidade de dinheiro que circula fora do sistema. Manuel Castelo Branco observou que, na banca “há muita falta de preocupação com as consequências: provavelmente nem lhes ocorre”. E João Pedro Martins lamentou o facto de “haver um conjunto de pacotes e alternativas que não estão disponíveis para todos os cidadãos”, sendo esta a “corrupção dentro da democracia que mina o sistema”.
Na edição da Visão desta semana poderá ler mais sobre a forma como a saúde dos bancos afeta ou não a nossa vida. E na da próxima semana poderá ler algo mais sobre este debate.