A vida de Ana Raquel Sousa, 29 anos, mudou depois do seu caso ter sido relatado na VISÃO (edição de 30 de Abril, ver texto “No Fim da Linha” em baixo). Quatro dias depois, a empresa de limpezas industriais Conforlimpa entrou em contacto com a redacção com o intuito de falar com Ana Raquel para a ajudar. E logo no dia seguinte, Ana deslocou-se à referida empresa. “Vou começar a trabalhar para a semana. Estou muito contente e o meu marido também é provável que venha trabalhar aqui”, dizia-nos, na terça-feira, 5.
Ao ler a história de Ana, Armando Cardoso, 58 anos, administrador da Conforlimpa, não conseguiu ficar de braços cruzados. “Há muitos casos destes no nosso País. Esta senhora estava disposta a trabalhar e não consigo entender como estava desempregada. Agora, vai começar de novo e com dignidade”, contava-nos nessa mesma terça-feira. E porque arranjar trabalho para Ana e para o companheiro, Joaquim, não pareceu suficiente, de uma forma mais imediata, Armando Cardoso fez questão de suprimir as necessidades monetárias mais urgentes. Recorde-se que não tinham dinheiro, sequer, para comprar alimentos, pagar a renda (há quatro meses em atraso) e as contas de água e luz.
“Dei-lhe dinheiro para ela poder pagar as contas, não como adiantamento de ordenado, mas como uma verba à parte”, dizia-nos. Além disso, Ana ainda saiu da Conforlimpa com um cabaz de alimentos.
Ana e Joaquim começaram a trabalhar para a Conforlimpa na última segunda-feira, 11 de Maio. O Complexo Multiserviços da Adroana, no concelho de Cascais, é, agora, o local de trabalho do casal. Ela como empregada de limpeza, ele como lavador de vidros. A VISÃO esteve lá no primeiro dia de trabalho de Ana e confirmou a sua felicidade por começar de novo. “Estou muito contente. A minha mãe até chorou quando lhe contei tudo”, disse, já de bata verde debruada a amarelo. “Hoje, o Joaquim está a ter formação para saber quais os produtos que deve usar. Vai lavar vidros e conduzir uma carrinha que leva os trabalhadores aos locais para onde a empresa trabalha.”
Joaquim, que entretanto havia conseguido mais um biscate numa obra, aceitou a oferta de trabalho da Conforlimpa. “Este senhor é pedreiro, mas já tem 57 anos. Vamos arranjar-lhe um trabalho mais certo e menos pesado em termos de esforço físico”, contava, Armando Cardoso, quando conversou connosco. Assim foi.
À mesa, a comida chegou. As filhas de Ana Raquel, Yara, 18 meses, e Jessica, 7 anos, já têm o que qualquer criança precisa. Jessica continua na escola e Yara está com uma ama. “Este mês, e com o dinheiro extra que o Sr. Armando nos deu, ela vai para uma ama, mas depois vai ficar com o meu pai até conseguir arranjar uma escola”, referiu, Ana, nos balneários da empresa.
Esta história, que teve um desfecho feliz, emocionou mais leitores da VISÃO. Da Alemanha chegou-nos um e-mail, de uma emigrante portuguesa, a pedir indicações para enviar comida e roupa para a família do Cacém. Outro leitor, do Algarve, pretendia ajudá-los monetariamente, mas mesmo os serviços postais dos correios não foram tão lestos como a Conforlimpa e a situação já estava, na altura em que recebemos essa carta, bem encaminhada.
No fim da linha
Ana tem de recorrer ao Banco Alimentar para dar comida a duas filhas. Deve quatro meses de renda
“Faço qualquer coisa. O desespero é muito grande.” Ana Raquel Sousa, 29 anos, não chora pelos cantos, embora não lhe faltem razões. Não tem emprego, não tem dinheiro, não tem comida. Mas tem duas grandes razões para lutar todos os dias: Yara, 18 meses, e Jessica, 7 anos. “Por elas, sou capaz de tudo. Eu passo bem sem comer dois ou três dias, mas elas não, para as minhas filhas não pode faltar comida”, diz, momentos depois de ter pedido uma moeda de um euro à madrinha da filha mais velha para comprar leite.
Ana Raquel está desempregada há um ano e nove meses e não recebe nenhuma prestação social do Estado. Não tem direito ao subsídio de desemprego, porque, no seu último trabalho, numa pastelaria, recebia os 250 euros de ordenado “por fora”, sem recibo de vencimento e sem pagar as prestações à Segurança Social.
Ana vive em Agualva, no Cacém, e espera, agora, que o Banco Alimentar Contra a Fome, a que recorreu há cerca de um mês, a possa ajudar. “Comunicaram o meu caso à Santa Casa da Misericórdia de Sintra, mas disseram-me, há duas semanas, que vão tentar arranjar uma instituição na zona onde moro. Estou à espera”, diz.
A sua vida é uma sucessão de infortúnios não cobertos por contribuições sociais. O último foi o abono de família das filhas. Este mês já não recebeu os €77, porque não entregou a declaração de IRS. “Não entreguei porque não tenho rendimentos. Fui às finanças e disseram-me que passavam uma declaração de rendimentos nulos, mas tinha de pagar 5,20 euros. Não pude pagar, não tenho esse dinheiro.”
Agora, as dívidas vão-se acumulando. Um senhorio compreensivo a quem deve quatro meses de renda, num total de 1 200 euros, tem pena dela e não procede à ordem de despejo. As contas da água e da luz vão ter de esperar. No mês passado, ainda conseguiu pagar as facturas com os cem euros que Joaquim Candeias, 57 anos, o seu companheiro, ganhou num biscate, a pintar uma casa. Joaquim é mais um dos trabalhadores da construção civil que engrossam a lista dos sem-trabalho. “Às vezes tem, outras não. Mas sai de casa todos os dias à procura de trabalho.
E nem a igreja de Agualva, a quem recorreram, os pôde ajudar, porque não tinham “um recibo da renda de casa para mostrar”, lamenta, frustrada. O único auxílio veio na forma de cabaz de alimentos, através da Junta de Freguesia local, mas “só no Natal e na Páscoa”, conta. Em roupa, nem vale a pena pensar. Para Jessica há quatro anos que não compra nada, para Yara nunca comprou.
Do Centro de Emprego de Sintra, onde está inscrita há cerca de dois meses, já a chamaram para três entrevistas, duas como empregada de balcão e uma para serviços de limpeza, mas não ficou. “Inscrevi-me no Pingo Doce, no Intermarché e para fazer limpezas. Faço qualquer coisa.”