A euforia que emergiu dos resultados portugueses nos Jogos Olímpicos de Tóquio2020 não pode comprometer uma avaliação mais rigorosa e profunda da nossa performance desportiva, sob pena de nada mudar estruturalmente.
Comparando os resultados da Missão Olímpica portuguesa com os de outros países da União Europeia (UE): desde logo somos confrontados com uma situação de debilidade estrutural que, se não for alterada, o desporto português dificilmente deixará a cauda da União.
Recordemos que o melhor resultado de sempre de Portugal, em mais de 100 anos de participações em Jogos Olímpicos, com quatro medalhas (um ouro, uma prata e dois bronzes) ficou atrás da maioria dos países europeus da sua dimensão e desenvolvimento. Vamos, então, a factos/números: Holanda 33 medalhas (10 ouro/11 prata/12 bronze), Suécia 9 (3 ouro/6 prata), Noruega 10 (4 ouro/4 prata/2 bronze), Dinamarca 11 (3 ouro/4 prata/4 bronze), República Checa 11 (4 ouro/4 prata/3 bronze) ou a Bulgária 6 (3 ouro/1 prata/2 bronze).
Se no ranking do índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas ocupamos a 38.ª posição, porque é que no ranking das medalhas olímpicas no Rio2016 ocupámos a 78.ª posição e em Tóquio ficámos todos felizes com a 56.ª?
Traduzindo, as medalhas olímpicas, tal como a prática desportiva, não estão de acordo com o índice de desenvolvimento humano do País. E porquê?
A resposta está no baixo desempenho de um sistema desportivo pouco eficiente na utilização dos recursos e, invariavelmente, pouco ambicioso na determinação dos objetivos. Temos um sistema desportivo acomodado e, pior, sem uma verdadeira estratégia.
Considere-se que, em Portugal, a percentagem do PIB afeta à atividade física e ao desporto é de 0,3% e na Bulgária é de apenas 0,1%. Esta diferença, traduzida em valores monetários, significa que o desporto português arrecada da economia nacional uma verba mais de dez vezes superior à do desporto búlgaro. Apesar disso, tendo os dois países um rácio de prática de atividades físicas e desportivas idêntico, Portugal ganhou em Tóquio quatro medalhas e a Bulgária seis. Reforça a tese de um desporto português pouco eficiente e nem por isso eficaz.
Entendo que esta situação não será superada sem considerar três questões fundamentais:
Primeira: Pessoas competentes e com competências, alterar a dinâmica institucional e voltar a colocar Federações Desportivas e os seus presidentes no centro das decisões. Eles são os gestores intermédios responsáveis pela “estratégia operativa”, a ponte entre a conceção política do Governo e a sua execução que deve acontecer, primordialmente, nos clubes e centros de treino.
Segunda: Cuidar da estrutura e da dinâmica do sistema desportivo. Identificar os estrangulamentos; anular as estruturas inúteis; esclarecer as interfaces; clarificar os fluxos; estancar desperdícios; voltar a colocar o fulcro das decisões estratégicas na esfera do poder político-administrativo.
Terceira: Apurar, planear e programar os elementos significantes que, se mudarem a montante, vão desencadear mudanças estruturais a jusante do sistema desportivo.
A média europeia do financiamento do desporto é de 0,4% do PIB. Em consequência, o problema imediato do desporto português não é financeiro, é bem mais profundo. Assim, esse problema é de perspetiva, para ver longe e pensar estrategicamente. É de organização, para melhor funcionar e coordenar o uso dos recursos. É de planeamento, para promover a participação e orientar a consecução de objetivos estratégicos. É de boas práticas, para garantir a transparência e a comparação das realizações. É de controlo sistemático, independente e competente, para poder introduzir a indispensável retroação nas organizações do sistema.
Defendo que as medalhas devem resultar de um equilíbrio entre uma base ampla e de uma elite de desportistas que desta sobressai. Contudo, sem intenção estratégica não conseguiremos superar a nossa debilidade estrutural e conquistar medalhas de acordo com o nosso nível de desenvolvimento.
Devemos ter o arrojo de outro “olhar olímpico”, não percamos mais tempo.