Para a generalidade dos comentadores e da imprensa desportiva é quase certo que Fernando Santos vai deixar de ser Selecionador Nacional de futebol apesar de ter contrato até 2024 e de uma eventual rescisão poder custar, à Federação Portuguesa de Futebol, uma quantia que vai dos 4 aos 7 milhões de euros. Não tenho grandes dúvidas que o ciclo do engenheiro chegou ao fim, depois de mais uma eliminação precoce, quando se percebia que a equipa tinha condições para ir bem mais longe. Concordo que se tenha chegado a um fim de ciclo. A questão que me preocupa é a de perceber como estará a ser preparado o próximo ciclo, que perfil de treinador estará na mente dos responsáveis da FPF e, muito importante, que papel está reservado para Cristiano Ronaldo daqui em diante.
Da mesma forma que muitos apregoam aos quatro ventos que Portugal inteiro tem uma dívida para com o jogador, que saiu em lágrimas do estádio após a derrota com Marrocos, também se pode dizer que o país muito deve a Fernando Santos. Afinal foi ele que, se bem se lembram, orientou a Seleção Nacional nas únicas conquistas internacionais da sua história. Quanto a “dívidas”, estamos conversados. Interessa enaltecer, dar mérito, respeitar e nunca esquecer o extraordinário legado de ambos, mas perceber que o que está em causa, agora, é o rendimento que os dois estão capazes de dar e que papeis, em função disso, lhes deverão, ou não, ser atribuídos daqui para a frente.
Partido do princípio que o presidente da FPF está mesmo convencido que Fernando Santos não deverá continuar como selecionador, é importante perceber que plano terá para o futuro da equipa nacional. Vai o líder federativo, cujo mandato termina em 2024, continuar a permitir que um só jogador tenha privilégios que mais nenhum outro tem? Mais diretamente, vai Fernando Santos escolher um novo selecionador em função de Cristiano Ronaldo, que já deixou clara a vontade de continuar a jogar na seleção até ao Europeu de 2024 e não pareceu ter aceitado de bom grado a perda do estatuto de titular indiscutível?
Para além de todas as questões que a tratamento especial habitualmente dispensado a Cristiano levanta no seio da equipa e entre os outros jogadores, partir para a escolha de um novo selecionador com a preocupação de que este continue a aceitar as exigências de CR7 será um erro crasso. Não se está a ver, por exemplo, um treinador como José Mourinho, aceite vir para a seleção com a obrigação de manter Cristiano Ronaldo no onze principal, ou até mesmo nos convocados, independentemente do nível de forma e da qualidade das prestações do jogador. Quem diz Mourinho – que não é sequer certo que seja um desejado na Federação ou esteja disponível para o cargo -, diz a esmagadora maioria de treinadores competentes, com vontade legítima de ter autonomia para fazer a sua equipa.
Portanto, para começar e antes de ir a correr demitir Fernando Santos, é preciso perceber o que pretende Ronaldo fazer no que lhe resta de carreira e o que está a Federação disposta a aceitar neste contexto. Se a ideia do jogador for continuar a estar disponível sem condições, aceitando a tarefa que lhe for atribuída e ser apenas mais um, muito bem, fica a FPF livre para escolher um treinador que possa potenciar todo o talento que o futebol português tem sido capaz de formar. Se for para continuar a dedicar a Ronaldo um estatuto de privilégio como até aqui, então o melhor será não queimar já o cartuxo da chicotada psicológica. Fernando Santos já sabe com o que conta e já mostrou que, pelo menos no que diz respeito ao “melhor do mundo”, sabe coloca-lo no devido lugar.