Depois dos irmãos Boateng, chega agora a vez de os Williams disputarem o Campeonato do Mundo de futebol por seleções diferentes. Quando os pais decidiram procurar uma vida melhor em Espanha, numa viagem de risco, a mãe já estava grávida de Inãki, hoje com 28 anos. Nico nasceria oito mais tarde, em Pamplona, para onde a família se mudou após os primeiros tempos em Bilbau. No Mundial, o mais velho jogará pelo Gana, cuja estreia está marcada para esta quinta-feira, frente a Portugal; o mais novo representará a Espanha, que começa esta quarta-feira, perante a Costa Rica.
O extremo Nico Williams, 20 anos, conquistou esta época a titularidade no Atlético de Bilbau, juntando-se no “onze” ao mano Iñaki, o ponta-de-lança da equipa que bateu recentemente o recorde da Liga espanhola ao ter atuado em 203 jogos consecutivos. Em setembro último, deixaram a sua marca na goleada de 4-0 ao Almeria. Nico assistiu Iñaki num dos golos e Iñaki retribuiu o gesto a Nico noutro. Dias antes, tinham ambos marcado golos, no triunfo por 3-2 sobre o Real Vallecano. “A nossa mãe vai ficar contente com os seus rapazes”, declarou Iñaki.
A mãe, Maria, e o pai, Felix, naturais do Gana, deixaram a terra natal em 1994. A viagem foi bastante atribulada até Melilla, o enclave espanhol no Norte de África que faz fronteira com Marrocos. Os cerca de 4000 quilómetros foram percorridos na parte de trás de uma carrinha pickup à pinha de gente e, depois, a caminhar pelo deserto do Saara, sob temperaturas de 40 e 50 graus. Felix ficou com dificuldades na marcha, devido a queimaduras na planta dos pés.
Uma vez chegados a Melilla, mais problemas: conseguiram saltar a enorme vedação, mas acabaram detidos temporariamente e impedidos de entrar em Espanha. A conselho de um elemento de uma associação humanitária, porém, ao formalizarem um pedido de asilo, alegaram que eram refugiados da guerra civil na Libéria e receberam luz verde para atravessar o Mediterrâneo rumo a Espanha.
Instalaram-se primeiro em Bilbau, onde um padre os ajudou com roupas e outros bens para Iñaki, que entretanto nasceu, e depois para uma habitação social em Pamplona. Felix andava de emprego em emprego e, ao fim de pouco mais de uma década, partiu para Londres, em busca de sustento mais certo. Só voltaria 10 anos mais tarde e, nesse hiato, Iñaki passou a tomar conta do irmão mais novo, enquanto a mãe trabalhava. Alimentava-o, vestia-o, e mais tarde passou a levá-lo à escola e aos treinos de futebol. Quando ingressou no Atlético de Bilbau, aos 19 anos, o irmão Nico foi com ele, para as camadas jovens e, até hoje, mantêm-se fiéis ao clube do País Basco.
“Ouvir a história dos meus pais faz-nos querer lutar ainda mais para lhes devolver tudo o que eles sacrificaram por nós”, afirmou Iñaki Williams ao The Guardian. “Nunca lhes vou conseguir pagar – eles arriscaram a vida -, mas a vida que lhes tento dar é aquela que eles sonharam para nós”, acrescentou.
Em setembro passado, Iñaki estreou-se pela seleção do Gana e Nico vestiu pela primeira vez a camisola da equipa principal de Espanha – ao segundo jogo, saltou do banco de suplentes para fazer a assistência para Morata marcar o golo da vitória frente a Portugal, que qualificou os espanhóis para a final four da Liga das Nações, em vez de Ronaldo e companhia.
Iñaki já não era chamado aos trabalhos da seleção espanhola desde um encontro particular em 2016, no tempo de Vicente del Bosque como selecionador, e decidiu que era hora de dar o sim ao Gana e jogar no Mundial. A decisão foi tomada durante o verão, numa rara visita a familiares ganeses que permanecem no país. Numa conversa com o avô James, 90 anos, ele disse-lhe que já poderia morrer feliz se o visse jogar pelo Gana. Assim será.