O alemão Jurgen Klopp, carismático treinador do Liverpool, defende que jogadores e selecionadores são os últimos a quem se devem pedir meças nos protestos contra ao Mundial do Qatar, cuja organização foi atribuída pela FIFA em 2010. Klopp entende que os protagonistas do futebol vão ao Médio Oriente para disputar a maior competição da modalidade, dentro de campo, e que houve tempo mais do que suficiente para a comunidade internacional contestar as falhas no Qatar a nível dos direitos humanos e, em última instância, reverter a decisão do organismo que tutela o futebol a nível mundial. Agora, é tempo de jogar à bola em representação de cada país, sustenta o treinador.
O seu pupilo no Liverpool, o médio inglês Jordan Henderson, por outro lado, veio a público declarar que, por mais que façam enquanto equipa ou a nível individual, as seleções e os jogadores “nunca farão o suficiente”, aos olhos de certos adeptos, para denunciar as leis restritivas do país organizador, por exemplo, em matéria de homossexualidade, um crime punido com pena de prisão. E “um problema de saúde mental”, na opinião de um embaixador da competição.
Entre o rótulo da indiferença e a sensação de ficar aquém das expetativas, são já conhecidas algumas ações de protesto preparadas pelos jogadores, que a FIFA desaconselhou numa carta dirigida a todas as 32 federações presentes em prova. A Dinamarca, por exemplo, foi proibida de treinar com t-shirts com a mensagem “Direitos humanos para todos”. Em tese, todas as ações têm de ser previamente aprovadas pela entidade máxima do futebol, sob pena de existirem sanções para os jogadores e as seleções envolvidas. Existe mesmo a prerrogativa de os oficiais poderem interromper um jogo para travar um protesto, se a FIFA entender que foram ultrapassadas linhas vermelhas no comportamento em campo. Os jogadores também podem ser advertidos com cartões amarelos, como já acontece, se exibirem mensagens de cariz político, por exemplo escritas nas camisolas interiores.
A mesma Dinamarca vai apresentar-se com um equipamento alternativo todo negro, num gesto contra a discriminação e em homenagem aos trabalhadores migrantes que construíram estádios, estradas e hóteis para o Mundial sob condições miseráveis, com milhares de vítimas mortais. A federação dinamarquesa comprometeu-se, ainda, a converter cada golo marcado nas competições nacionais dos vários escalões, durante este mês de novembro, em pouco mais de um euro, para reverter a favor dos trabalhadores do Mundial. No ano passado, novembro rendeu 55 mil golos, o que daria agora uma verba a rondar os 70 mil euros.
A Dinamarca é, também, uma das seleções europeias que concordaram em utilizar uma braçadeira multicolorida para identificar o seu capitão de equipa durante os jogos. Símbolo da inclusão, representativo da comunidade LGBTIQ+, a braçadeira One Love, em forma de coração, deverá ser usada, igualmente, pelos capitães das seleções de Inglaterra, Países Baixos, Bélgica, País de Gales, Suíça e Alemanha. Já foi assim em setembro, nas partidas a contar para a Liga das Nações.
Inicialmente, esperava-se que a França também aderisse à iniciativa no Mundial (tinha-o feito na Liga das Nações), mas o guarda-redes Hugo Lloris, o capitão, declarou entretanto que prefere “respeitar a cultura e as regras do Qatar”, tal como os franceses gostam que os estrangeiros respeitem o modo de vida em França quando visitam o país.
No local de treinos dos Estados Unidos da América no Qatar, por seu lado, foram pintadas as cores da comunidade LGBTIQ+.
O vídeo dos australianos
Já 16 jogadores australianos decidiram pronunciar-se através de um vídeo conjunto, cada um a dar voz a uma parte da mensagem que toca em vários pontos da ferida e faz reivindicações concretas. Os socceroos, como são conhecidos, reclamam por mudanças legislativas no Qatar e lançam o desafio para que a passagem do Mundial de futebol no país deixe um “legado duradouro” capaz de orgulhar o desporto-rei.
“Reconhecemos a força das convenções coletivas de trabalho e os direitos fundamentais de todos os trabalhadores para criarem e se unirem a um sindicato”, afirmam, para depois denunciarem que, “apesar de as reformas introduzidas serem bem-vindas e um passo importante, a sua implementação permanece inconsistente e exige evolução”. Referem-se, por exemplo, à introdução do salário mínimo ou à revogação da lei que proibia os trabalhadores de procurarem outro emprego sem autorização do empregador do momento.
“Sabemos que a decisão de atribuir a organização do Mundial ao Qatar resultou em sofrimento e dor de inúmeros trabalhadores”, prosseguem, em alusão às milhares de mortes associadas à construção das infraestruturas para acolher a competição. “Estes trabalhadores migrantes que sofreram não são apenas números. Tal como os migrantes que contribuíram para o nosso país e o nosso futebol, eles partilham a mesma coragem e determinação para construir uma vida melhor”, sustentam.
“Como jogadores apoiamos os direitos das pessoas LGBTQI+, mas no Qatar as pessoas não são livres para amar quem escolhem”, atira o médio Denis Genreau, que atua nos franceses do Toulouse. “Abordar estas questões não é fácil e não temos todas as respostas”, admitem, reivindicando a criação de “um centro de recursos para os migrantes”, a disponibilização de “um remédio efetivo para aqueles a quem foram negados direitos” e ainda a “descriminalização de todas as relações entre pessoas do mesmo sexo”.
“Estes são direitos básicos que deviam estar ao alcance de todos e vamos assegurar o seu progresso contínuo no Qatar”, comprometem-se, por fim, uma vez que só assim será possível deixar o tal legado, “muito para lá do apito final do campeonato do mundo de 2022”.
O apito inicial está agendado para este domingo, 20, às 16 horas de Portugal continental, com o jogo entre o anfitrião Qatar e o Equador.