O jornal britânico The Guardian faz esta quarta-feira uma radiografia ao êxito do futebol português, dias depois de a seleção de sub-21 ter sido finalista do Europeu da categoria e em vésperas de a equipa principal iniciar a defesa do título continental conquistado em 2016, em França, quando Éder surgiu no papel de herói surpresa.
A qualidade do treinador português, não apenas dos mais conhecidos, é desde logo destacada como um dos fatores responsáveis por “impulsionar um país de 10 milhões de pessoas para a vanguarda do futebol europeu no século XXI”. José Mourinho, Jorge Jesus, Sérgio Conceição e Rúben Amorim são classificados como “treinadores superestrelas”, sendo ainda mencionados outros exemplos como Leonardo Jardim, André Villas-Boas, Paulo Fonseca, Nuno Espírito Santo e Bruno Lage. Todos são nomeados apenas para reforçar a ideia de que é nas bases que sobressai o “rigor intelectual dos treinadores portugueses”, precisamente onde se forjam os “jogadores que fazem dos campeões em título um dos adversários mais temíveis neste verão”.
Luís Araújo, treinador dos juniores do Benfica (sub-19), atesta essa mais-valia do futebol português. “Temos um sistema muito bom para desenvolver treinadores. Os treinadores falam entre si e estamos sempre a aprender uns com os outros”, salienta, enaltecendo a capacidade de improvisar: “Com uma bola, temos de fazer um bom treino. Claro que não é o caso no Benfica, mas em alguns clubes não há grandes relvados ou instalações, por isso estamos sempre a adaptar-nos e a pensar como podemos fazer os jogadores e o jogo.”
Treinador das camadas jovens do Benfica desde 2006, quando foi inaugurado o centro de estágio do Seixal, Luís Araújo assistiu de perto ao desenvolvimento de jogadores como Bernardo Silva, Renato Sanches ou Rúben Dias, que hoje estão entre os 26 convocados por Fernando Santos para o Euro 2020. No total, como destaca o The Guardian, são oito os selecionados formados no clube encarnado – em 2016 eram apenas três -, o que representa “uma espécie de inversão no guião do futebol português”, uma vez que o Sporting, “o vizinho da Segunda Circular”, é mais famoso por produzir os seus próprios talentos. Paulo Futre, Luís Figo, Ricardo Quaresma, Simão Sabrosa e Cristiano Ronaldo são apontados como exemplos “na ponta da língua”, e a Academia de Alcochete é comparada à La Masia, o célebre laboratório de craques do Barcelona, com a ressalva de que a fama do clube de Alvalade vem dos tempos em que as jovens promessas viviam debaixo de uma das bancadas do antigo Estádio de Alvalade.
Prévio à reformulação das infraestruturas nos principais clubes, o “espírito de invenção” é aqui retratado com a forma como Quaresma e Ronaldo, no início da sua afirmação na equipa sénior do Sporting, se desafiavam mutuamente a criar um novo truque com a bola a cada sessão de treino, como um dia contou o romeno Laszlo Boloni, o treinador leonino de então.
A este propósito, o diário britânico cita uma afirmação de Luís Figo de 2017, quando o antigo jogador argumentou que o sucesso dos leões com os jovens se devia ao facto de existir “um objetivo claro” por parte do clube de formar jogadores para a equipa principal, para lá da obtenção de resultados desportivos. “É muito importante para os mais jovens ter um ponto de referência e, no meu caso, tive o Futre”, acrescentou ainda.
A capacidade de inovação é ainda exemplificada com o facto de Fernando Santos ter recorrido a dois extremos, Ronaldo e Nani, para formar a dupla de atacantes no Europeu de há cinco anos, ideia que serve de mote para sublinhar o contraste com a atual abundância de soluções à disposição do selecionador, em todas as posições. O defesa central Rúben Dias, do Manchester City, e o médio Bruno Fernandes, do Manchester United, são apresentados como figurantes dominantes da Premier League inglesa e André Silva como “um autêntico avançado centro”, depois dos 28 golos que assinou esta época na Liga alemã, ao serviço do Eintracht Frankfurt. “Sempre tivemos jogadores talentosos, mas melhorámos o entendimento que eles têm do jogo”, refere Luís Araújo, elogiando o trabalho nas camadas jovens: “Agora formamos defesas, médios e avançados, e se calhar menos extremos.”
Aliado ao processo de treino e à melhoria das infraestruturas, o técnico do Benfica lembra que também ao nível de outros recursos humanos, como o médico e o fisiológico, se deu um salto qualitativo e que tudo isso junto contribuiu para o clube da Luz começar a “fabricar” mais jogadores de primeira linha. “Para mim o melhor título é quando vejo um desses jogadores alinhar na seleção nacional, na equipa principal do Benfica ou nos clubes internacionais. No primeiro golo do Renato Sanches no Estádio da Luz, chorei. Esses são os nossos verdadeiros troféus, o sucesso de jogadores como Rúben [Dias], João Félix, Bernardo [Silva].”
A finalizar, o The Guardian faz referência à recente final do Europeu de sub-21, que Portugal perdeu frente a Alemanha (0-1), para recordar que esta foi a segunda final alcançada nas últimas quatro edições, sugerindo que o futuro está salvaguardado, até porque há sinais de que também o FC Porto está agora lançado na formação de talentos superiores, como são disso exemplos Fábio Vieira e Francisco Conceição.
Na opinião de Luís Araújo, os feitos de Mourinho e Ronaldo no estrangeiro vieram aumentar a ambição e a confiança de treinadores e jogadores portugueses para triunfarem além fronteiras. “Eles disseram-nos que era possível. E se é possível para eles, porque não para os outros?”.
Segundo o The Guardian, assim se criou “uma super potência do futebol europeu”.