Não há melhor alarme que a crueza dos números. E neste caso nem é preciso torturá-los que eles estão dispostos a deitar tudo cá para fora. Senão vejamos: dos cerca de 170 mil jogadores de futebol federados que competem atualmente em Portugal, apenas 5% vão conseguir chegar a um dos chamados clubes grandes e só 16% – e os números até são amigos – chegarão à I Liga. E aqueles que o fizerem vão por lá permanecer apenas 4,7 anos, sendo que a carreira termina aos 30,9 anos – estes últimos números em média, claro.
Estes são apenas alguns dos primeiros dados de um estudo, ainda em fase muito embrionária, a que se dedicou Ricardo José Alves Monteiro, conhecido no mundo da bola, e mesmo por parte da família, como Tarantini – alcunha dada por um ex-treinador, devido às parecenças com um defesa argentino de longa cabeleira loura e encaracolada, campeão do mundo em 1978. O futebolista de 33 anos, capitão do Rio Ave, há muito assumiu a preocupação com o seu futuro depois de deixar o futebol e por isso dedicou-se aos estudos. Fez duas licenciaturas e um mestrado ligados ao desporto e agora prepara uma tese de doutoramento dedicada a este tema “de despertar os futebolistas e outros desportistas para a necessidade de preparar um plano B” para o final da carreira.
A verdade é que muitos deles, mais do que desconhecerem esta realidade, conhecem uma outra que não é verdadeira, ou que só está ao alcance de poucos. “O que eles veem é o resultado, os contratos milionários dos grandes jogadores, as grandes casas, as marcas, os carros, as mulheres. Há uma enorme valorização pelos bens materiais e, acredito, os miúdos querem ser como eles mas talvez pelas razões erradas”, explica Tarantini à VISÃO.
E nesse plano a culpa é dos jogadores profissionais, claro, mas também deve ser repartida pela comunicação social, “que deveria passar uma mensagem dando mais ênfase ao trabalho que é necessário para chegar e permanecer no topo. O sucesso dá muito trabalho, é preciso lutar muito, ter muitos sacrifícios e mesmo assim não se sabe se vamos conseguir lá chegar”.
O alerta serve também para muitos pais de alguns jovens que sentem ter ali “a galinha dos ovos de ouro”. E debaixo dessa pressão, “o sentimento puro do jogar futebol nunca irá existir para esses miúdos”.
Quando planeou este projeto Tarantini delineou objetivos tendo em conta o que entedia ser capaz de executar sozinho, caso não tivesse o apoio de ninguém ou nenhuma entidade. Mas, após vários contactos e reuniões, conseguiu parceiros importantes para colocar no ar a página www.tarantini.pt onde vai relatando as palestras que vai dando em escolas, clubes, universidades e outras instituições.
Para a realização do estudo foi fundamental também a base de dados do site www.zerozero.pt e a colaboração dos professores Bruno Travassos e André Seabra, sobre a caracterização do jogador de futebol em Portugal.
Longe de estar concluído, o trabalho pretende transformar-se num projeto de investigação e tem com objetivo analisar com mais detalhe os dados sobre o universo de futebolistas e daqueles que já deixaram de o ser.
E será que, com este trabalho todo, Tarantini já conseguiu influenciar alguém, nomeadamente os colegas de equipa a preocupar-se com o assunto? “Quero acreditar que sim. Aquilo que tenho para lhes apresentar é um caminho e uma proposta. O objetivo é pô-los a pensar, mostrar-lhes exemplos. Não quero que eles vejam no meu exemplo o único caminho. Eu fiz o meu caminho e gostaria que eles fizessem o seu mas que não colocassem as fichas todas numa vida que dependa exclusivamente da concretização do sonho de ser desportista profissional”. E é essa a grande dificuldade a ultrapassar. “É que tanto os miúdos como os profissionais pensam que vão conseguir chegar ao topo, ganhar rios de dinheiro e ao longo nesse percurso nada lhes vai acontecer. O certo é que os números dizem o contrário, são poucos os que lá chegam”.