Tal como a promessa de tornar as águas mais limpas não passou de uma intenção, também a de tornar o ar limpo parece ter ficado por concretizar. Depois de uma análise de dados governamentais e de testes levados a cabo pela agência Reuters, confirma-se que o ar do Rio de Janeiro está tão ou mais poluído como antes da atribuição dos Jogos Olímpicos à cidade carioca, em 2009.
Desde que, em 1980, os cientistas começaram a monitorizar os níveis de material particulado – partículas finas de material sólido ou líquido que ficam suspensas no ar – emitido para a atmosfera e a analisar os seus efeitos na saúde do Homem, o Rio de Janeiro é a cidade anfitriã das Olimpíadas com o segundo valor mais elevado, sendo apenas suplantada pelas realizadas em Pequim, no ano de 2008.
Quando a candidatura do Rio foi submetida, os responsáveis brasileiros garantiram que os níveis de qualidade de ar estavam dentro dos limites estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas os registos de material particulado (MP), um dos poluentes mais perigosos, já há muitos anos que excedem os limites definidos pela OMS para a emissão deste poluente para o ar.
A sua presença ar aumenta a probabilidade de contrair doenças no sistema respiratório ou circulatório. E milhares de pessoas no Rio de Janeiro morrem na sequências de complicações respiratórias ou cardíacas devido à poluição. Paulo Saldiva, diretor do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e antigo membro do comité da OMS – que definiu limites mais estritos para a emissão de poluentes para o ar no ano de 2006 -, classificou o ar da cidade de Rio de Janeiro como “ar não olímpico”. O especialista considera até que esta poluição é uma ameaça maior para os atletas do que a verificada nas águas do Rio de Janeiro, uma vez que “ninguém é obrigado a beber água da Baía de Guanabara, mas necessita de respirar o ar do Rio de Janeiro”.
Esta poluição no ar é, na sua maioria, causada pela emissão de gases de escape por parte dos cerca de 2,7 milhões de veículos que atravessam as estradas da cidade maravilhosa, de acordo com o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (INEA). Os dados da agência ambiental do estado mostram que, desde 2008, os níveis de material particulado no ar do Rio de Janeiro têm sido quase sempre três vezes superiores ao limite anual de 20 estabelecido pela OMS.
Enquanto Paulo Saldiva diz que a poluição causada por materiais particulados é “a que mais danos faz à saúde por ser dos poluentes mais perigosos”, Tania Braga, responsável pela sustentabilidade e legado destes Jogos Olímpicos, defende que “a qualidade do ar não pode ser simplesmente julgada pelos dados da emissão de material particulado”, salientando que “as emissões de gases como o dióxido e o monóxido de carbono estão dentro dos limites estabelecidos pela OMS”.
Ao estimar a mortalidade causada pela poluição no ar através de métodos estabelecidos pela OMS, Saldiva calcula que cerca de 5.400 pessoas morreram na zona da área metropolitana do Rio de Janeiro, em 2014, devido a complicações respiratória. Este é o ano com dados mais recentes disponibilizados pelo INEA, que se recusou a dar acesso à Reuters aos números de 2015 e aos primeiros seis meses deste ano.
De 2010 a 2014, segundo o INEA, o nível de PM no Rio de Janeiro rondou sempre os 52 PM por metro cúbico de ar, quando o limite da OMS é de 20. Jamie Mullins, professor de economia de recursos naturais na Universidade do Massachussets-Amtherst, concluiu num estudo, com base em resultados de mais de 600 mil atletas americanos, que por cada 10 unidades de PM acima do limite da OMS o rendimento do atleta caía em 0,2%.
Em testes realizados pela Reuters no Estádio Olímpico, cujos resultados foram agora divulgados, foi possível perceber que o nível de PM na área circundante se localiza nos 65, abaixo do nível de 82 registado em 2008 na cidade de Pequim. Contudo, muitos especialistas vieram questionar os dados fornecidos pelo INEA, que são obtidos através de 64 estações de monitorização espalhadas pelo Rio de Janeiro, das quais a grande maioria são propriedade de empresas privadas poluentes.