– 27 de abril de 2014 Com o Barcelona a perder por 2-1 no El Madrigal, o brasileiro Daniel Alves reagiu inesperadamente à provocação dos adeptos do Villarreal. Quando um deles – curiosamente funcionário do próprio clube da casa – lhe atirou uma banana das bancadas para o relvado, o lateral brasileiro descascou-a e comeu-a.
– 3 de janeiro de 2013 Num amigável frente a outro clube italiano, o Pro Patria, o ganês do AC Milan, Kevin-Prince Boateng – o tal que esteve quase a assinar pelo Sporting -, farto dos insultos e dos gritos a imitar macacos dos adeptos adversários, atirou a bola para a bancada e abandonou o relvado. Solidários, os companheiros de equipa seguiram-lhe os passos e recolheram ao balneário.
As reações a atitudes racistas podem ser muito diferentes e algumas vezes até depender do humor de quem é alvo delas. Do que ainda não havia notícia é que algum dirigente pudesse sequer imaginar a criação de um setor de um estádio só para adeptos negros. Mesmo com o argumento de que seria para os proteger.
É certo que o alegado autor da ideia, Volodimir Spilichenko, diretor do estádio Olímpico de Kiev, já veio dizer que, afinal, o que os jornalistas transcreveram não foi bem o que disse e «apenas comentou uma suposta sugestão de um dos jornalistas que o entrevistava», mas as reações de repulsa foram muitas e mais rápidas que o desmentido. Spilichenko comentava o tema porque o Dínamo de Kiev está sob alçada disciplinar da UEFA pelo facto de quatro adeptos negros do clube terem sido agredidos durante o encontro com o Chelsea para a Liga dos Campeões. Sendo que os agressores são também eles adeptos do clube ucraniano.
Nesta matéria a UEFA costuma ter mão pesada e, talvez, a (alegada) tirada do dirigente pretendesse amenizar um eventual castigo ao clube. A verdade é que a simples equação da possibilidade de uma medida de apartheid merece reflexão e a FARE Network, a rede contra o racismo no futebol europeu, reagiu de imediato pela voz do diretor-executivo. Para Piara Powar «não há negros suficientes em Kiev, e muito menos adeptos do Dínamo, que justifiquem uma bancada só para eles. E mesmo que houvesse, uma medida destas só teria um resultado: iriam ser atacados».
Para o português Miguel Cardoso, a viver há três anos na Ucrânia, a medida seria, «no mínimo, surreal». O coordenador técnico da academia do Shaktar Donetsk e treinador da equipa B, garante mesmo que nunca presenciou «qualquer atitude de racismo» no país mas, mesmo que existam, «não será seguramente assim que se combatem». A ideia seria tanto mais ridícula até porque o número de cidadãos negros não é tão significativo, apesar de «haver muitos estudantes e até já filhos de emigrantes, de segunda geração, portanto, nascidos no país».
Miguel fala com conhecimento da realidade até porque ele próprio vive em Kiev há mais de um ano, cidade onde o Shaktar Donetsk foi obrigado a instalar-se devido à instabilidade que se vive na região de Dombass. Apesar de não ter o reconhecimento internacional, a agora designada de Donetsk People’s Republic declarou a independência da Ucrânia a 7 de abril de 2014 e, garante Miguel, «é impossível lá entrar porque as fronteiras estão fechadas».
Mas o episódio Spilichenko teve ainda a particularidade de ter trazido para o debate outros casos semelhantes ocorridos na vizinha Rússia, país que vai acolher o Mundial de 2018. Um estudo de fevereiro deste ano, desenvolvido por investigadores russos do SOVA Center e da Fare Network, é taxativo ao afirmar que «há um comportamento racista e de extrema-direita generalizado entre os fãs» do futebol do país. O estudo conclui que «a fotografia mostra uma realidade macabra cheia de racismo e xenofobia». Particularmente referidas são as condutas dos adeptos dos clubes de Moscovo (CSKA, Dínamo, Lokomotiv e Spartak) e do Zenit de São Petersburgo. Entre as claques «prevalecem os símbolos fascistas e neo-nazis adotados por grupos de extrema-direita, incluindo suásticas e cruzes celtas e bandeiras com referências ao Orgulho Branco».
Este comportamento já teve consequências disciplinares e, em outubro do ano passado, o CSKA foi castigado pela UEFA com um jogo da Liga dos Campeões à porta fechada. No entanto a Liga russa tem sido mais branda nos castigos. Depois de insultos racistas dos adeptos a Guelor Kanga, do FC Rostov, o Spartak pagou uma multa de 1300 dólares, enquanto o jogador ganês cumpriu três jogos de suspensão por ter respondido com gestos aos insultos.
O estudo conclui que estas «atitudes racistas e de extrema-direita estão muito difundidas entre os adeptos russos e é improvável que a situação se altere no futuro próximo». E afinal, o Mundial é já ali ao virar da esquina.