“Uma questão difícil de tratar.” É assim que o historiador e crítico de arte norte-americano James Elkins vê a relação entre criação artística e religião na contemporaneidade. O seu ensaio mais conhecido sobre este tema tem um título que diz tudo: The Strange Place of Religion in Contemporary Art (2004). E estranho lugar porquê? Certamente as razões culturais são antigas e profundas e ligam-se ao debate que funda a modernidade: a emergência da autonomia do espaço secular face ao religioso, a reivindicação da liberdade individual reinterpretando a estrita normatividade do ethos comunitário, o desmantelamento de uma visão social que tinha no referente religioso o seu elemento decisivo de definição, etc. Contudo, revisitar as razões históricas que estiveram na origem da atua fratura não nos isenta do dever de pensar sem preconceitos o presente, pois os pressupostos da relação arte e religião não são já os mesmos.
A religião não possui hoje a centralidade hegemónica que fazia dela o sistema dominante de sentido contra a qual a arte se posicionou, no passado, em termos críticos. Pelo contrário, não raro, ela surge, no regime hodierno, remetida para uma lateralidade submersa, uma quase clandestinidade cultural que cabe (também) à arte hoje resgatar. (…) Não vivemos mais uma era de fé homogénea e inquestionável – se é que alguma vez ela pode ser descrita assim – mas também não estamos já no tempo em que o ateísmo parecia reclamar uma espécie de superioridade moral, como no período do iluminismo e na sua longa posteridade. Há por isso um mundo de relações a redescobrir, uma recomposição da cartografia espiritual sobre a qual refletir, também do ponto de vista estético e artístico. Como escreve James Elkins, “se a religião faz parte da vida e está intimamente associada a tudo o que pensamos e fazemos, é estranho que não encontre um lugar no debate sobre a arte contemporânea”. (…)
O título do volume, A questão sobre Deus não é o saber explicar, é uma frase de Álvaro Siza que pode ser lida em vários modos, mas nunca como um ponto final. O “não saber” é o reservatório inesgotável da dúvida, da curiosidade e da pergunta. E enquanto formos capazes de colocar perguntas – não só aquelas pequenas e imediatas, mas também as grandes e irresolúveis – o nosso caminho sobre a terra projetar-nos-á sempre mais longe.