Cenas de pugilato e cabeçadas à Cais do Sodré? José Cardoso Pires foi protagonista de várias, como esse murro nos queixos dado ao crítico Renato Ribeiro em pleno Chiado, porque este chamara de “execrável” um dos contos do seu segundo livro, Histórias de Amor (1952). A rivalidade literária entre o autor dos romances Balada da Praia dos Cães e Alexandra Alpha e José Saramago, escrutinada em Integrado Marginal – Biografia de José Cardoso Pires (Contraponto), foi mais jogo de xadrez do que pas de deux de boxe, mas marcou as lutas da literatura portuguesa contemporânea e a sua transformação de região periférica em País produtor de autores lidos em todo o mundo.
O seu autor, Bruno Vieira Amaral, investiu três anos a construir este ambicioso volume dedicado a um dos mais virtuosos e superlativos ficcionistas portugueses. Com leitura fluida, pontuado de “ganchos” a criarem a vontade de ler mais, o livro retrata com vigor o panorama político e social da época, abarcando momentos-chave como a campanha de Humberto Delgado, o processo das Três Marias, a crise académica, o 25 de Abril, a entrada na Comunidade Europeia. É também uma expedição reveladora aos bastidores literários, aos “grupos, grupinhos e grupelhos” do meio literário como lhes chamou o poeta José Gomes Ferreira. Mas tudo palpita em torno do urbano convicto nascido na aldeia, o filho de beata que rejeitou a religião, o antifascista que nunca foi preso, o boémio que preferia os copos aos colóquios, o marialva que desmontou o marialvismo, o autor minucioso da luta corpo a corpo com o texto, o homem que regressou da morte, o “Zé”.