Cinco, seis, sete, oito, nove, dez pessoas. Foi com emoção que José Rodrigues assistiu, ao longo desta semana, às filas que se formaram à entrada da Barata, em Lisboa. A livraria divulgou publicamente a situação difícil em que se encontra, resultado de dois meses de quebra brutal de atividade. “Os nossos clientes sempre tiveram o nosso respeito, mas agora ainda mais. Temos de os acarinhar e fazer tudo o que tiver ao nosso alcance para responder a estes gestos de solidariedade”, afirma, à VISÃO, o livreiro que, com Elsa Barata, gere a livraria fundada pela família em 1957.
Numa fase de desconfinamento, com a reabertura do comércio, a livraria confrontou-se com uma “enorme falta de liquidez”. Depois de muita reflexão, a gerência decidiu ampliar a mensagem que nos últimos tempos tem vindo a ser partilhada entre profissionais do sector. A crise só agora começou. “É muito importante e urgente alertar as consciências. Todos dizemos que o pós-covid-19 vai reorganizar as nossas vidas, sobretudo as das empresas. Mas para isso são necessários apoios e condições”, adianta José Rodrigues. “Não pode haver empresas mais e empresas menos. Não é justo socialmente”.
No caso da Barata também não pode ser esquecido, salienta o livreiro, o trabalho de 63 anos construído com e para a comunidade. Só queremos continuar e renovar o nosso trabalho. Vamos encarar os desafios e as dificuldades, mas temos de ter apoio para acreditarmos que não estamos sozinhos neste percurso”. Reconhecida como “Loja com História” pela Câmara Municipal de Lisboa, num programa que visa preservar e salvaguardar os estabelecimentos e o seu património material, a Livraria Barata espera agora que esse estatuto “represente alguma coisa”, “tenha efetivamente um significado de cidadania e de integração na cidade”.
O problema mais imediato, neste momento, é o da liquidez, que decorre de uma quebra de cerca de 90 por cento da atividade durante o estado de emergência decretado para fazer face ao surto de Covid-19. As “iniciativas criativas” que desenvolveram, como uma parceria com a Cooptáxis para entregas ao domicílio, não foram suficientes para as despesas correntes. Solicitaram um layoff parcial, mas ainda não foi aprovado. Em relação aos apoios anunciados pelo Ministério da Cultura, aperceberam-se de que não cumprem a grelha de requisitos. “Ainda não percecionámos um apoio que na prática não seja um novo empréstimo. E não podemos, nem estamos em condições de correr esses riscos”, afirma o responsável. “Temos de viver o presente, com decisões lúcidas.”
Apesar destas dificuldades e angústias, a livraria mantém as portas abertas, recebendo à vez os clientes no interior, numa lotação máxima de 10 pessoas. Nos próximos dias a prioridade é repor stocks e responder a todos os pedidos. E projetos para o futuro não faltam, nomeadamente uma aposta nas atividades culturais e o recurso às ferramentas da internet. “Ao longo do período de confinamento todos percebemos que não é possível o real viver separado do virtual. Tem de ser um projeto único”, defende José Rodrigues. “Também faz sentido que as empresas se renovem e abram novos ciclos, mas com tantas e tão incertas mudanças as empresas não podem estar sozinhas”.
Neste momento, a gerência da Livraria Barata está a desenvolver um modelo de reciprocidade, com contornos semelhantes ao do crowdfunding, para reforçar ainda mais a ligação entre livraria e clientes. “A ideia que preside ao modelo é os clientes fazerem um investimento num projeto, que será divulgado, e recuperarem esse investimento em produtos culturais ao longo de um período temporal de um ou dois anos”, descreve. “Queremos que seja factualmente bom para todos”.
Símbolo da luta contra o Estado Novo, nomeadamente através da venda de livros proibidos, habilmente escondidos pelo fundador António Barata, a livraria da Avenida de Roma quer continuar a resistir e a ter um papel preponderante na promoção da leitura.