Pede ao Donald Trump que encomende o muro ao Calatrava.” A tirada do humorista José A. Pérez, no programa Punto Y Pérez, da rádio espanhola Cadena Ser, chegou rapidamente ao Twitter, em forma de petição, e em poucas horas foi replicada milhares de vezes. Mas a graça estava mesmo na explicação sarcástica de Pérez. “O Presidente dos EUA pensou no arquiteto espanhol porque se algum mexicano se aproxima demasiado, provavelmente o muro cai-lhe em cima.”
O facto de a piada ser percebida tanto em Espanha como nos Estados Unidos, e até um pouco por todo o mundo, diz muito também sobre o estatuto de estrela mediática em que se transformou o arquiteto (que é também engenheiro, pintor e escultor) Santiago Calatrava. Natural de Valência, onde nasceu há 65 anos, mas a residir na Suíça, Calatrava é um dos mais requisitados e conhecidos arquitetos da atualidade. Entre as suas obras mais famosas encontra-se a Gare do Oriente, em Lisboa, o Palau de las Arts, de Valência, o auditório de Tenerife, o Centro de Exposições e Congressos de Oviedo, o aeroporto de Bilbau, o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, a torre Turning Torso, em Malmo (Suécia), pontes como a da Constituição, em Veneza, a Zubi Zuri, em Bilbau, a del Alamillo, em Sevilha, e o Oculus, o interface de transportes no Ground Zero, em Nova Iorque.
Quase todos estes projetos têm em comum elogios embevecidos à grandiosidade do edificado, à mestria da arquitetura do movimento, inspirada inúmeras vezes em formas orgânicas como esqueletos e seres da natureza, e que já lhe proporcionaram prémios como o Príncipe das Astúrias, inúmeros doutoramentos honoris causa e a designação de cidadão honorário de Valência e de Liége. Para breve está até a estreia no Doc NYC Film Festival, um documentário sobre o processo criativo do arquiteto, realizado pela americana Alexandra Liveris, onde Calatrava esclarece que aquilo que desde sempre pretendeu foi encontrar a sua própria linguagem, “independente de tendências ou de imperativos”. “Encontrar o meu próprio vocabulário, pensando que tenho o direito de dizer o que quero e à minha maneira.”
E Calatrava tem-no feito, sem dúvida, mas com elevados custos. O nova-iorquino Oculus por exemplo, está no centro de uma das mais recentes polémicas. Michael Kimmelman, crítico de arquitetura do New York Times, não gostou da “monotonia formal nem da arquitetura completamente divorciada da vida” e muito menos “da preocupante incongruência entre a extravagância e o limitado propósito a que se destina a obra”. A acrescer a isso estiveram os materiais dispendiosos e pouco funcionais que fizeram disparar os custos do projeto. De resto, orçamentos largamente ultrapassados, atrasos nos trabalhos, deficiências de construção e manutenções caríssimas são uma constante.
O baratão sai caro
Os problemas sucedem-se ao mesmo ritmo dos prémios. O auditório de Tenerife e o Palau de les Arts de Valência, por exemplo, ficaram sem parte das fachadas devido à queda do revestimento cerâmico, o Centro de Congressos de Oviedo valeu ao arquiteto uma ação (que perdeu) no valor de três milhões de euros por atrasos e deficiências. O aeroporto de Bilbau necessitou de obras de fundo, apenas sete anos depois de construído, porque a zona de espera dos passageiros ficou a descoberto. Calatrava foi chamado a fazer a remodelação, o que custou à cidade mais três milhões de euros.
A poucos metros do Palau de les Arts de Valência, o Ágora permanece uma obra inacabada. Um “broche de ouro” do complexo da Cidade das Artes e das Ciências, assim lhe chamaram os espanhóis, que nestas coisas de elogios e insultos não são de meias-tintas. Infiltrações de água e oxidação dos materiais estão entre as adversidades detetadas. O fecho da cobertura é outra. O projeto original do arquiteto previa um teto móvel que não foi colocado por falta de verbas.
No Brasil, o Museu do Amanhã, ou Baratão, como ficou conhecido entre os cariocas, foi tudo menos barato. Construído sobre a baía de Guanabara, é parte do legado dos Jogos Olímpicos de 2016. A expressão “baratão” vem da sua forma de inseto gigante, mas Calatrava assegura ter sido inspirado por plantas, mais concretamente as bromélias gigantes que nascem nas matas do Rio. O resto é a pura ironia brasileira a falar, atendendo aos €65 milhões que custou a obra.
Mas a verdade é que a crítica maior que se faz a Calatrava é “a da chamada arquitetura-espectáculo”, diz Álvaro Domingues, investigador do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. “A determinada altura, isso esteve ligado a economias emergentes que, de repente, fizeram um esforço de visibilidade muito grande e foram buscar nomes referenciados e arquiteturas de uma certa espetacularidade para criar uma iconografia forte.” Foi, por exemplo, o que sucedeu com o Guggenheim de Bilbau (de Frank Gehry), “em que até surgiu aquela célebre frase que dizia que nunca antes um edifício tinha feito tanto por uma cidade”.
Álvaro Domingues socorre-se de um outro exemplo, mais próximo aos portugueses, para explicar melhor a ideia. “Olhamos para a Casa da Música, de Rem Koolhaas, e para o Guggenheim, e vemos linguagens completamente distintas, mas elas acabam por cair todas no mesmo saco da tal arquitetura dita icónica, da arquitetura-espectáculo, e da ideia de que existe uma arquitetura feita por estrelas que jogam a sua influência a nível mundial e que têm uma espécie de griffe. Muitas vezes pedem-lhes mesmo ‘Faça-me um museu assim como o de Bilbau’ ou ‘Faça-me um edifício muito torcido’.”
Ao contrário do que defende a escola moderna – que a arquitetura é fácil de explicar porque a forma servia a função –, “na ‘arquitetura-espectáculo’ é o contrário, pensa-se de fora para dentro, no efeito que ela vai produzir, na surpresa que contém”, diz Álvaro Domingues. E aí Santiago Calatrava raramente desilude.