A saída britânica da União Europeia entra em velocidade cruzeiro com a Câmara dos Comuns a ser mais um aliado que um entrave ao Brexit. Um dia depois de 498 deputados, contra 114, validarem em primeira leittura o processo de divórcio da UE, o governo de Theresa May apresentou esta quinta-feira com o Livro Branco, um guia com 12 passos para o Brexit, decalcado do discurso da primeira-ministra em janeiro passado em Lancaster House.
O secretário para o Brexit, David Davis, explicou no parlamento que o principal objetivo é negociar uma “nova parceria estratégica” com Bruxelas e um acordo comercial o “mais livre e sem tensões” possível. A oposição trabalhista, pela voz de Keir Starmer, avisou que o documento foi apresentado “tarde demais” para uma reflexão profunda do parlamento.
A rapidez do Brexit em Westminster já abriu uma nova crise entre os trabalhistas liderados por Jeremy Corbyn – a disciplina de voto pelo “sim” ao divórcio não foi cumprida por um quinto dos deputados do partido e levou à demissão de duas figuras do governo sombra, Dawn Butler e Rachael Maskel. Um total de 47 deputados trabalhistas votaram contra Londres acionar o artigo 50º do Tratado de Lisboa, que inicia a negociações do Brexit, juntando-se aos 50 deputados escoceses do SNP e sete liberais democratas.
A imprensa britânica avançou, no início desta semana, que May se prepara para adiantar o processo do Brexit já a 9 de março, durante a cimeira de líderes europeus. A data esperada era 31 de março, mas em Brussels receava-se uma provocação britânica e o acionar da negocição no dia 25 de março quando se assinala os 60 anos do Tratado de Roma, documento fundador da UE.
Agora repetidas no Livro Branco, recorde como May apresentou as 12 prioridades do roteiro britânico para o divórcio, o primeiro da história da UE, que deve estar concluído em 2019:
1. Reduzir a incerteza: O processo de negociação entre Londres e Bruxelas deve ser o mais transparente possível para os empresários, funcionários públicos e cidadãos. May garante que a legislação europeia será transposta para a lei britânica. O acordo de saída voluntária, promete a primeira-ministra, será apreciado e votado por ambas câmaras do Parlamento antes de entrar em vigor.
2. Recuperar o controlo legislativo: uma das prioridades de Londres passa por recuperar o controlo legislativo. “As nossas leis serão criadas em Westminster, Edimburgo, Cardiff e Belfast. E essas leis serão interpretadas pelos juízes do país e não dos de Luxemburgo”, disse May
3. Reino Unido mais forte: Maior união entre as quatro nações que formam o Reino Unido: Escócia, Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. Com a repatriação de poderes de Bruxelas, Londres garante que há poderes que regressam a Westminster e outros que serão devolvidos a Edimburgo, Cardiff e Belfast. Mas os negócios estrangeiros, sublinha May, “continuam, como é óbvio, responsabilidade do governo britânico”.
4. Zona comum com a Irlanda: manutenção da zona comum de circulação de pessoas entre o Reino Unido e a República da Irlanda é uma prioridade. “Ninguém quer o regresso das fronteiras do passado”, diz May, depois de salientar que a solução tem de “proteger a integridade dos sistema de imigração do Reino Unido”.
5. Controlo da imigração: a primeira-ministra britânica está convencida que o Reino Unido irá continuar a atrair “os mais inteligentes e os melhores para trabalhar e estudar” no país. Mas esse processo, indica May, terá de ser gerido com cautela para que “o sistema de imigração sirva o interesse nacional”. Londres irá, por isso, controlar o número de pessoas que chegam da União Europeia.
6. Direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido e vice-versa: A garantia dos direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido e britânicos na UE é uma prioridade. May insinua que “há um ou dois países” que não concordam, mas que a maioria dos países europeus está a favor de um acordo nesta matéria, No último mês, vários europeus a residir no Reino Unido – alguns deles casados com britânicos dois quais têm filhos – foram convidados a sair do país pelos serviços de imigração depois de terem pedido a cidadania britãnica.
7. Direitos dos trabalhadores: o Reino Unido quer continuar a ser um país que protege e garante direitos aos trabalhadores, numa primeira fase com respeito pela legislação europeia.
8. Livre comércio com os mercados europeus: May clarificou que o Reino Unido não vai ser membro do mercado único. Uma das prioridades passa por negociar um acordo de livre comércio com a União Europeia. “Na nova parceria estratégica”, disse a líder britânica, Londres vai querer “o máximo acesso possível ao mercado único”. E abre a porta a uma “contribuição apropriada” do Reino Unido para programas específicos europeus. “Mas que fique claro: os dias do país fazer grandes contribuções anuais para a União Europeia vão acabar”, rematou. Mais à frente no discurso, May mudou para um tom mais duro e sugeriu que se o Reino Unido for excluído do mercado único europeu,Londres ficaria livre para mudar o seu modelo económico. A insinuação da líder britânica vai ao encontro do seu ministro das Finanças, Philip Hammond, que avançou recentemente com o cenário do Reino Unido se tornar um paraíso fiscal. “Seria um acto catastrófico e de auto-punição para os países europeus”, continuou a primeira-ministra. Sem fazer as contas aos prejuízos para a economia britânica, May sugeriu que novas barreiras comerciais iriam “colocar em risco os investimentos das empresas europeias no Reino Unido no valor de meio bilião de libras” e das exportações europeias para o país, no valor anual de 290 mil milhões. Ao mesmo tempo, significariam “a perda de acesso das empresas europeias aos serviços financeiros da City” e a “rutura das sofisticadas e integradas cadeias de fornecimento nas quais as empresas europeias confiam”. Perante estes custos para a UE, May está “confiante num acordo positivo” com Bruxelas até porque um “não acordo é melhor que um mau acordo para o Reino Unido”.
9. Acordos comerciais com outros países: May frisou que desde que o país entrou na UE, o comércio, medido em percentagem do PIB, “estagnou”. Após o Brexit, um “Reino Unido” global é livre de assinar acordos de comércio com países fora da UE. China, Brasil e estados do Golfo, segundo a líder britânica, já assinalaram o interesse em negociar estes acordos bilaterais. O próprio presidente eleito dos EUA, Donald Trump, indicou que o Reino Unido “não está no final da fila” para um acordo comercial, sublinhou May. O objetivo britânico choca com a união aduaneira europeia, do qual o Reino Unido é parte. “Temos de completar um novo acordo aduaneiro, ficar associado ou ser signatário de alguns elementos. Mas quero que haja um acordo aduaneiro com a UE”, disse May, que está de “mente aberta” para uma solução.
10. Ciência e Inovação: um acordo para continuar a colaborar com a UE em ciência, investigação e iniciativas tecnólogicas será “bem-vindo”. A exploração do espaço ou energia verde foram alguns dos exemplos dados por May.
11. Cooperação no combate ao terrorismo e crime: na futura relação com a União Europeia, Londres também quer incluir acordos que garantam troca de informações dos serviços secretos. May promete trabalhar de forma próxima com os “aliados europeus” na política de defesa e política externa.
12. Saída suave da União Europeia: May prefere um ‘Brexit’ ordeiro, suave, sem um “processo disrutivo próximo do abismo”. Após acionar o artigo 50º do Tratado de Lisboa, Londres prevê uma negociação faseada de dois anos, até 2019, para concluir um acordo com a União Europeia. “Não procuramos um estatuto de transição ilimitada, em que ficariamos presos para sempre numa espécie de purgatório político permanente”, refere May.