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O novo ano trouxe-me uma nova admiração. Admiração pelo realizador Steve McQueen. Gostei e “admirei” todos os seus filmes que vi até hoje, emocionei-me com “Shame” de uma forma muito profunda, pela visão de uma descida a um inferno pessoal repleto de demónios que a carne e os impulsos não são capazes de apaziguar. 12 anos escravo emocionou-me de outra forma, daquela forma que nos torna incapazes de proferir uma palavra aquando da cena final, daquela forma que nos faz ficar com a garganta seca, a visão turva e o coração despedaçado.
A escravatura é um tema que nenhuma nação gosta de recuperar por ser a marca de uma época em que a mentalidade vigente ofuscava o mais nobre, universal e intuitivo de todos os nossos direitos: o da Liberdade. A diferença de cor de pele, raça e tradição cegou milhões de pessoas em todo o mundo por acharem que tinham o direito de “mandar” noutros seres, de se apropriar dos seus corpos e das suas almas para seu bel-prazer, o prazer de enriquecer às custas do trabalho desumano de outros, o prazer de os ver sofrer apenas por serem “seres inferiores” nascidos para obedecer e nunca olhar nos olhos dos seus “donos”.
12 anos escravo é um exercício puro e magnetizante, repleto de desempenhos extraordinários como de uma (cada vez mais convincente) Sarah Paulson que, na pele da mulher de um fazendeiro receosa de o perder para uma escrava preta, usou o sentimento do marido contra ele, levando a que o mesmo progressivamente se odiasse por amar um ser sem direitos. Sobre os desempenhos, há muito que dizer Chiwetel Ejiofor e Michael Fassbender são, sem dúvida, o motor de desequilíbrios do filme. A dureza inconsequente, se bem que pouco firme, da personagem de Fassbender é o extremo oposto de Solomon, dotado de toda a educação, bondade e diginidade que nenhuma chicotada consegue apagar.
A bondade também pode ser vislumbrada na relação que um dos seus primeiros “donos”, interpretado por Benedict Cumberbatch, que após o rapto de Solomon lhe devolve o seu violino como sinal de simpatia e amizade por alguém com mérito e um talento que não deve ser desperdiçado. A mesma personagem acaba mesmo por salvá-lo de morte certa sem saber que o está a impelir para um impiedoso ser humano capaz das piores atrocidades para com os seus trabalhadores.
Sobre McQueen, palavras para quê? O realismo da sua câmara deixa pouco a criticar, os planos extraordinariamente pensados e aproveitados para descrever estados de espírito, de humanidade (ou falta dela), pela simplicidade da vida que passa ao lado das maiores atrocidades, das maiores violências, uma indiferença pela dor infligida que McQueen tão bem capta e devolve ao espetador, como no momento em que Solomon destrói o seu bem mais precioso por não ser sentir capaz de o tocar com a perfeição que a Liberdade lhe garantia no passado. Dos 12 anos que tratam a história de Solomon Northup, é difícil perceber durante o visionamento do filme a passagem desse mesmo tempo, tal o sufoco e o desespero das personagens entregues à sua sorte nas mãos dos mal-feitores. Mas o tormento tem um fim, um fim esperado com um protagonista que a única coisa que consegue dizer aos que mais ama, é que lhe perdoem pelo mau aspeto.
McQueen é um realizador atrevido, por colocar o dedo na ferida, por mostrar de forma violenta os maus tratos infligidos a seres humanos, escravizados num mundo à espera de um dia melhor, ou de um milagre, ou da resposta de um Deus Misericordioso.
Um atrevimento que merce a nossa admiração e aplauso. McQueen merece a nossa gratidão.
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