Sobre uma ida ao Nimas ver “Viagem a Tóquio” de Yasujiro Ozu
Yasujiro Ozu filmou sempre, e mais ainda em “Viagem a Tóquio” (1953), essa linha que tem o nome de Tempo. Uma linha, tão natural como directa, posta a claro como a esquina do prédio, o estendal da roupa, a direcção do comboio; um traço onde não existe sombra de pecado mas também onde não se encontra sinal de redenção. Um percurso finito, natural como a fotografia a preto e branco, directo como a deixa de um teatro realista. Não é possível culpar o egoísmo ou a solidão, porque a vida é curta de mais. Pior, é decepcionante. Nesse instante preciso, Ozu declara, com toda a ternura, que o Tempo é traidor, coloca guerras e distâncias entre cidades, famílias, gerações, mas pode ser interrompido pela superioridade de um olhar, de um silêncio, de uma palavra. Afinal, a salvação para o Tempo existe e está ali mesmo à frente do espectador, no final de um punhado de 132 minutos inesquecíveis, quando o sogro, o velho viúvo Shukichi (Chishu Ryu) passa o testemunho – o velho relógio – à sua nora, a jovem viúva Noriko (Setsuko Hara).
Em 2013, num final de tarde ensolarado de Setembro, o cinema enche-se para ver uma obra-prima realizada num longínquo Japão, vai para 60 anos. Emociono-me.
Depois de ver “O Gosto do Saké” de Yasujiro Ozu (1962)
Será um facto menos anacrónico do que despropositado, mas na verdade, ao sair do cinema, recordei “O Meu Tio” (1958) e “Playtime” (1967) de Jacques Tati. Talvez pelo rigor da arquitect…ura, das portas e das mesas, das taças de saké, dos electrodomésticos, das chaminés, dos reclames luminosos. Talvez pela banda sonora em tons de valsa, desanuviando a espessura da sequência e a austeridade dos planos. Talvez pela silenciosa e cândida ironia com que as personagens são caracterizadas, sempre sentadas, sempre a beber, quase sempre sorrindo. Talvez pela ternura que envolve, de modo irresistível, o isolamento do protagonista. Sem dúvida pela nostalgia que, no final do filme, invade a tela, tristeza sentida, quando Shuhei Hirayama (Chishu Ryu), após casar a filha, verifica que o Tempo afinal não parou de correr e deixou a vida lá atrás. A modernidade sabe sobrepor-se à pontualidade de um relógio que está a ficar sem corda, mas não compensa a guerra, a perda, o erro, o remorso…
Afinal, quando o filme termina e saio do cinema, verifico que a vida não chegou a ser interrompida.