“Hollywood está a ficar sem ideias”, diz o Indie nos seus cartazes. E Miguel Valverde, que com Nuno Sena assume a direção festival, afirma, em conversa com o JL: “Cada vez mais as pessoas entendem que, se querem ver filmes diferentes e que surpreendam, têm de ir ao Indie”. O hábito tem-se enraizado ao longo de dez edições. A crise, logo em 2011, trocou as voltas a um festival com vontade de crescer até ao infinito. Mas, aos poucos, o Indie parece retomar o rumo do sucesso. E este ano regressa a ideia de um festival sustentável que paga as suas contas. “Julgo que não é um sinal de retoma, antes uma mudança de estratégia nossa na captação de apoios”, explica o diretor. O prestígio, esse, mantém-se inabalável e o Indie está entre os maiores festivais europeus de cinema independente. O JL percorreu as secções e fez uma lista de filmes a não perder.
Competições
Olhando para a Competição Nacional do Indie até parece que a crise não passou por aqui. Não só há seis longas-metragens presentes, o que é um novo recorde, como se deu o feito inédito de duas delas – A Batalha de Tabatô, de João Viana, e Lacrau, de João Vladimiro – contarem também para a Competição Internacional. Contudo, convém salientar que todos estes filmes ainda beneficiaram de subsídios, alguns deles com a produção em atrasado, pelo que Miguel Valverde antecipa: “Para o próximo será difícil encontrar longas portuguesas”.
Damos especial destaque a É o Amor, de João Canijo (ver entrevista), filmado em Caxinas, a convite do Curtas de Vila do Conde. A Batalha de Tabatô, de João Viana, que deu nas vistas no festival de Berlim, é um dos mais aguardados, a sua estreia comercial prevê-se para depois de junho. E Inês Oliveira regressa com uma longa de ficção, Bobô.
Nas curtas-metragens, segundo Miguel Valverde, “nota-se uma quantidade menor de filmes produzidos com dinheiro”, o que não invalida que haja vários destaques. A começar pelo último de Sandro Aguilar, Dive: Approach and Edit, um dos principais talentos da chamada geração curtas. Também o regresso da dupla Filipa Reis/João Miller Guerra, vencedores do Indie no ano passado, com Fragmentos de Uma Observação Participativa; Gingers, de António da Silva, que Miguel Valverde considera “o mais ousado filme do festival”; ou Forbidden Room, uma animação de volumes de 18 minutos, de Manuel Nevado e Ricardo Almeida, feita sem qualquer apoio.
A Competição Internacional está aberta apenas a primeiras e segundas obras. Cresceu consideravelmente. O festival recebeu 3964 filmes. Entre os 11 selecionados estão Eles Voltam, do brasileiro Marcelo Lordelo; e Simon Killer, a segunda longa de Antonio Campos
+ Simon Killer, de António Campos
Poucos realizadores poderão orgulhar-se de ter como filme de estreia uma obra-prima. Acontece com Antonio Campos (tem um nome português porque é filho de um brasileiro, mas é americano) que, apenas com 25 anos, realizou o soberbo Afterschool – Depois das Aulas. Isso, naturalmente, provocou uma grande expectativa para os passos seguintes. Em termos de longas (Campos realizou várias curtas) esse passo é dado com Simon Killer. Até certo ponto, parece mesmo que uma certa genuinidade que tornava Afterschool tão forte foi substituída por alguma ingenuidade, pelo menos em termos de plot, na repetição da história do jovem que se apaixona pela prostituta ou vice-versa. Mas a extrema qualidade estética de Antonio Campos continua lá. Desta vez, num contexto diferente, de um recém-licenciado que tenta sobreviver a um desgosto de amor retirando-se para Paris, mas mantendo o desejo do choque. Respira-se liberdade no cinema de António Campos.
São Jorge, dias 21 e 22, às 21 e 45
Observatório
A secção mais esperada não tem pontos fracos. Before Midnight, a terceira parte da trilogia Richard Linklater, esgotou cerca de uma semana antes do festival começar. Spring Breakers, de Harmonie Korine, vai pelo mesmo caminho, sendo que os bilhetes só são atribuídos a quem tenha cadernetas ou promoções especiais. Regressa também Werner Herzog, que já foi herói independente do festival, desta vez com a série de documentários Death Row, onde reincide sobre a questão da pena de morte. Gustav Deutsch com o seu deslumbre estético mostra um filme que é, literalmente, uma obra de arte. Brillante Mendoza mostra a sua mais recente obra, Thy Womb, numas Filipinas remotas, numa altura em que Cativos, com Isabelle Huppert, tem estreia comercial. O festival é inaugurado com No, de Pablo Larraín, um filme que retrata o fim da ditadura de Pinochet e que Miguel Valverde considera que simbolicamente pode ser inspirador para a atual situação do nosso país. Nas curtas, entre outros, os últimos filmes de Benny e Josh Safdie, Ben Rivers, Apichatpong Weerasethakul ou Georges Schwizgebel.
+ No, de Pablo Larraín
A ditadura de Pinochet chegou ao fim através de um plebiscito popular exigido pelos Estados Unidos. O que é extraordinário é que o “não” a Pinochet foi vendido como se fosse uma marca de refrigerante. A campanha foi idealizada por um dos mais competentes e talentosos publicitários chilenos que, inclusive, teve a habilidade contornar a censura de um regime, numa altura em que tudo era proibido. Este é o novo filme de Pablo Larraín que abre o IndieLisboa, no dia 18, e que chega às salas de cinema a 25. O regresso do realizador que deu nas vistas, precisamente no IndieLisboa, com o filme Tony Manero, que partia de um imitador da personagem de John Travolta em Saturday Night Fever. No mistura ficção, com Gael Garcia Bernal no principal papel, com imagens de arquivo. A história por detrás da História.
São Jorge, dia 18, às 21 e 30
Foco Ulrich Seidl
Este ano, por falta de verba, não existe a secção herói independente. Contudo, de forma hábil, criou-se um Em Foco dedicado ao realizador austríaco Ulrich Seedle. O ponto de partida foi a trilogia do Paraíso, recentemente terminada, com o invulgar sucesso de os filmes que a compõem terem sido selecionados, à vez, para os três maiores festivais europeus: Cannes, Berlim e Veneza. Partindo desta trilogia, em que cada filme acompanha um elemento da mesma família, o Indie descobriu as obras anteriores do realizador que abordam temas semelhantes, e assim entendemos melhor o caminho que levou o realizador até aqui.
+ Paradise: Hope, de Ulrich Seidl
Num estilo que se aproxima da ‘escola’ dinamarquesa Dogma/Zentroopa, Ulrich Seidl termina a trilogia do Paraíso com Hope. Esta Esperança tem uma ligação direta com o contexto retratado. O filme passa-se num campo de férias, num internato, para ‘cura’ de crianças obesas. Com acompanhamento médico, programa de manutenção física, educação nutricional, o campo funciona em regime militar, com regras duras, vigilância apertada e castigos. Tal não impede, apesar de tudo, que as regras sejam transgredidas. É esse ambiente, de simetrias disformes, de coreografias geometricamente desenhadas, que torna o filme, logo à partida, um objeto de esmerado valor estético. Os alicerces necessários para que lentamente funcione a história de um primeiro amor adolescente, entre uma menor e um adulto, que se aproxima perigosamente do abuso sexual consentido. Tal como nos anteriores, em Hope fica a ideia de que o paraíso, que pode parecer uma sociedade tão desenvolvida como a austríaca, está podre. Cabe a Seidll desmistifica-lo.
Culturgest, dias 21 e 25, às 21 e 30
Cinema Emergente
Encontram-se aqui algumas das propostas mais ousadas do festival, da autoria de realizadores que, em grande parte, estão num estado intermédio entre a novidade da competição e o observatório. É o caso do brasileiro Michael Wahrmann, com Avanti Popolo, que tem como ator o realizador brasileiro de softcore Carlos Reichenbach. Ou O que se move, do brasileiro Caetano Gotardo, um filme triste e melancólico que conjuga três histórias trágicas. Ou Rocker, que marca o regresso do romeno Marian Crisan, que venceu o Indie, em 2011, com a sua obra anterior, Morgen.
+ Rocker, de Marian Crisan
É incrível o fulgor e a consistência do novo cinema que, após a primeira onda, parece nunca se deixar esmorecer. Exemplo maior disso é o Urso de Ouro alcançado em Berlim, Child’s Pose, de Calin Peter Netzer. Ou, mesmo em Portugal, Crulic, de Anca Damian, distinguido no Monstra. Este Rocker é mais um ótimo exemplo do estilo do novo cinema romeno, ainda ligado à sua essência, mas com alguns delicados traços que apontam para novas direções. Talvez o maior sinal de fuga aos padrões é que Rocker não tem como base cidadãos comuns, mas sim autênticos marginais – o pano de fundo é uma banda punk-rock submersa em drogas e álcool. Mas Crisan dá a este universo extraordinário um tratamento realista que o aproxima de todo o novo cinema romeno.
Em rigor o filme desenha-se através dos traços do protagonista. Todos os esforços de argumento vão no sentido de lhe conceder a densidade necessária, para que a personagem se torne suficientemente fascinante para sustentar todo o filme. O que é plenamente conseguido. Victor (Dan Chiorean) não só é o manager da banda como o pai do seu líder. Tenta segurar as pontas num mundo que se desfaz, pela opção (não sua) de viver no limite. Sendo que esse excesso é necessário para alimentar a genuinidade da própria banda. Victor vive numa constante luta interior entre o mundo podre que não quer deixar cair e a paixão irracional pela música e a própria banda. E trata de cumprir o sonho dos outros.
Classic Alvalade, dias 19 e 21, às 19; dia 27, às 14 e 30
Pulsar do Mundo
“São seis horas que passam depressa”, garante Miguel Valverde, apresentando o mais longo filme do festival, Amsterdam Stories (Classic Alvalade, dias 20 e 25, às 14.30), USA, que integra a secção Pulsar do Mundo. Rob Rombaut e Rogier Van Eck percorreram todas as cidades americanas que se chamam Amsterdam, e dão-nos um retrato das várias Américas de que se faz a América. Em Doméstica (Classic Alvalade, dia 200, às 22.00; dia 22, às 21.30), Gabriel Mascaro foca as empregadas brasileiras e as suas implicações na estrutura social. Até ao ponto das domésticas que têm domésticas. As filmagens foram realizadas por alunos de um workshop que aceitaram recolher imagens das empregadas dentro da sua própria casa. Por seu lado, em Danube Hospital (Culturgest, dias 20 e 26, às 16.45), do austríaco Nicholaus Geyrhaler, rompemos as paredes de um hospital e vemos como a estrutura funciona pelo lado de dentro.
+ La Chica del Sur, de José Luis García
Não podia ser mais pertinente este documentário argentino passado em ambas as Coreias, que retrata uma utopia que é desfeita com a realidade. La Chica del Sur passa-se em dois tempos. Uma primeira parte, nos anos 70, quando o realizador viajou à Coreia do Norte, num programa de juventudes comunistas, e encontrou Im-Su Kyong, uma estudante sul-coreana que dava autênticos comícios a favor da junção das Coreias (dois regime políticos para um só país). Um dos seus propósitos, perigosa manifestação do seu idealismo, era passar a pé a fronteira proibida que separava os dois territórios. No Norte correu tudo bem, mas assim que pisou o solo sul-coreano foi detida e encarcerada. Numa segunda parte, o realizador, num estilo muito autocentrado, parte em busca do seu rastro, e descobre-a como professora universitária. Tenta, a custo, completar a sua história. E o filme também é sobre o filme que este quer fazer.
Culturgest, dias 20 e 26, às 16 e 45
IndieMusic
É sempre uma das secções mais esperadas do festival. Este ano o destaque vai todo para a estreia de Peaches como realizadora. Mas há mais. Charlie is My Darling, de Peter Whithead (São Jorge, dias 23 e 28, às 21.45), recupera imagens da digressão dos Rollings Stones na Irlanda em 1965. Under African Skies (São Jorge, dia 19, às 21.45; Classic Alvalade, dia 28, às 19.00), encontramos o mundo africano de Paul Simon. E Paulo Prazeres conta-nos a história dos Bizarra Locomotiva (São Jorge, dia 28, às 14.45)
+ Peaches Does Herself, Peaches
Peaches será uma das convidadas do IndieLisboa, com direito a DJ Set, no Ritz Club, dia 20, depois das 23 horas. Mas, como bizarro aperitivo, fica o filme assinado pela própria, com todos os estímulos de choque e hardcore que esperam os seus inúmeros fãs. Que se desengane quem vai à espera de um convencional musical da Broadway. Há uma correspondência com o que se pode ouvir nas letras e ver nos concertos, mas sempre com maior aparato. O filme é, por assim dizer, um espetáculo da Broadway em versão hardcore ou, se quisermos, onde nem Madonna e Lady Gaga alguma vez ousaram ir. O sexo heterossexual, homossexual, transexual ou transformista é a linguagem usada e ‘abusada’ logo desde a primeira coreografia. Aliás, uma das estrelas é uma trans-woman. Sem qualquer recato, o filme roça a pornografia, pelo que não é aconselhável a pessoas facilmente impressionáveis… e mesmo a algumas que se impressionem com um bocadinho mais de dificuldade.
São Jorge, dia 20, às 21 e 45; dia 28, às 21 e 30
Director’s Cut
É a secção predileta dos cinéfilos. O Director’s Cut não reúne propriamente filmes com a montagem final ao gosto do realizador, mas antes obras que falam do próprio cinema. Desta vez, o conceito é ainda mais ousado. Há uma programação regular, no próprio Indie, que tem uma correspondência em contexto, na Cinemateca Portuguesa. Por exemplo, um documentário sobre o ator Harry Dean Stanton é complementado com Paris, Texas, de Wim Wenders, filme em que ele faz um dos seus melhores papéis. Mais ainda, as sessões do Director’s Cut são precedidas por trailers para filmes imaginários realizados por Joana Rodrigues.
+ Harry Dean Stanton, Partlly Fiction, de Sophie Huber
É um dos grandes atores do cinema americano, mas que tem passado suficientemente discreto para que apenas poucos tenham fixado o seu nome. Este documentário faz-nos notar que os melhores atores nem sempre são aqueles que fazem os papéis principais. E Harry Dean Stanton é um dos melhores secundários de sempre. Para quem o nome não lhe diz nada, bastará referir que é o Travis de Paris,Texas. Mas também um dos atores fetiches de David Lynch (recusou o papel em Veludo Azul que acabou por ser entregue a Dennis Hopper), com um historial que vai até aos Westerns de Sam Peckinpah. Em Partly Fiction, encontramos um homem, honesto e discreto como nos papéis que interpreta, um extraordinário cantor de blues, com uma voz perfeita, que discorre sobre a sua vida, com uma atração pelo vazio. O filme conta com depoimentos de David Lynch, Wim Wenders, Sam Shepard e Kris Kristofferson. E quando lhe é pedido um conselho para os atores mais novos, ele sabiamente responde: “Façam sempre de si próprios”.
Cinemateca, dia 22, ás 21 e 30
Outros destaques
Um grupo de realizadores suíços aceitou o desafio de filmar Lisboa. O projeto foi acompanhado por Teresa Villaverde e Vasco Pimentel. O resultado são dez curtas-metragens, que integram o Programa Master Ecal/Head e que, em grande parte, passam em estreia mundial. O recentemente falecido Patrick Jolley, autor de obras provocadores e perturbadoras, vai ter uma retrospetiva integral na Cinemateca. Alguns dos seus filmes já tinham passado em edições anteriores no Indie, e a retrospetiva já estava planeada antes da sua morte.
Alguns filmes da imensa produção Guimarães, Capital da Cutura, também poderão ser vistos em sessões especiais. Inclui obras de Gonçalo Tocha, Bruno de Almeida, Marcos Barbosa e Mário Ventura.
Para os mais novos, como é hábito, decorre em paralelo o Indiejunior, que conta com uma longa metragem, Come Dorme Morre, de Gabriela Pichler, e quatro sessões de curtas direcionadas para o pré escolar, 1º, 2º e 3º ciclos do Ensino Básico, respetivamente.
O Indie By Night é uma aposta forte este ano, com espetáculos todas as noites, no Ritz Club, incluindo DJ Sets de Peaches (dia 20) e John Holmes (dia 27), e um concerto único de Manuel Fúria e os Náufragos, em que interpretam, de lés a lés, o álbum Mãe, dos Heróis do Mar (dia 19, às 23.00)