Sem tabus
Aquele que muito provavelmente será considerado o melhor filme português do ano, saiu agora em DVD. Tabu confirmou Miguel como um dos mais perspicazes olhares do novo cinema europeu. O filme, recebeu um importante prémio em Berlim, e tem percorrido o mundo em festivais, com diversas distinções. Uma linguagem moderna, que cruza géneros e não se importa de experimentar apesar do aparente formato clássico. O DVD inclui quatro importantes extras: curtas-metragens que notabilizaram o realizador, tendo Vila do Conde como principal alavanca. Diga-se que estas primeiras pequenas obras são pequenas apenas na duração.
Tabu, de Miguel Gomes, Alambique
No fim do mundo
Gonçalo Tocha surpreendeu tudo e todos quando ganhou o Prémio para o Melhor Filme Português, em 2007, com Balaou, a sua primeira obra. Um filme refrescante dentro do panorama do documentário português, feito por meios próprios e rudimentares, num estilo íntimo, em que o próprio realizador faz uma viagem redentora. Gonçalo parte para os Açores tentando resgatar a memória da mãe, mas acaba por embarcar numa insólita viagem a bordo de Balaou, um barco de recreio com um casal francês, Mas rodeado pelo mar, a verdadeira viagem faz-se pelo lado de dentro. Quatro anos depois, novo filme e nova aventura açoriana, no caso, num dos locais mais remotos do mundo: a Ilha do Corvo. No longo documentário, em que mantém o tom pessoal, cercando a ilha. Faz quase um inventário daquele microcosmos, dissecando-o, sempre com alguma humor à mistura, exibindo o seu isolamento e estreita teia social, em que indiretamente nos integra. Esta edição de É Na terra Não é na Lua, em dois discos, inclui duas horas de material inédito.
Gonçalo Tocha, Balaou; É na Terra não é na Lua, Alambique
A Grande Lisboa
É justamente considerado um marco na História do Documentário Português. Lisboetas, de Sérgio Tréfaut ganhou o IndeiLisboa, em 2004, e teve um inesperado sucesso de bilheteira – algo nunca dantes visto para um filme documental. Há uma perspetiva política e social sobre a cidade. Aqui os lisboetas não são os velhos moradores de Alfama, mas antes aqueles que criaram uma nova Lisboa multirracial e multicultural. Descobrimos os vários mundos, por vezes subterrâneos, desde os muçulmanos que frequentam a mesquita do Martim Moniz, aos africanos que leem a sorte, aos ucranianos das obras, aos chineses das lojas, aos indianos que vendem flores. São culturas que se expandem e fazem de Lisboa uma cidade cada vez mais cosmopolita. Ao rever, percebemos que nada disto perdeu a atualidade. Como extras no DVD, 5 cenas inéditas e o documentários Novos Lisboetas, de 1993.
Lisboetas, de Sérgio Tréfaut, Alambique
O incrível Bela Tárr
Compreende-se bem o fascínio em torno da obra de Bela Tárr. Ao exemplo de Vitor Erice, entre outros, é um cineasta raro, com uma produção relativamente escassa, que de alguma forma inventou o seu próprio cinema. É dono de uma estética peculiar, que se pode enquadrar numa ideia de slow cinema, mas muito aprumada em termos visuais. São muitos os dotes. A fotografia, sempre a preto-e-branco, é extraordinária. Mas não é só isso que deslumbra, o movimento de câmara, geralmente lento, faz com que nós pairemos sobre os ambientes, como quem contempla um quadro que se vai estendendo. E isto acontece de forma particularmente feliz na transição entre exterior e interior. É clara a ligação do cinema com outras artes, sendo que Bela Tárr é uma perfecionisrta. Neste vol 1 da sua obra completa, encontramos quatro filmes de diferentes década. O Cavalo de Turim, um dos melhores filmes que passou em Portugal em 2012, numa história simples, negra e ventosa; As Harmonias de Werckmeister, um retrato das mudanças sociais de uma cidade de província, por causa de uma baleia embalsamada; O Tango de Satanás, mais de sete horas de filme nos resquícios do comunismo; e Danação, a primeira grande obra de Bela Tárr, numa história de amor e incompreensão.
Quatro filmes de Bela Tárr, Midas
A atmosfera de Aki
Aki Kaurismaki sabe que para contar uma boa história é preciso, ante de mais, criar uma boa atmosfera. E é sob este princípio que desenvolve grande parte da sua cinematografia. Há um investimento primordial no ambiente, muitas vezes falsamente naif, lembrando Jacques Tati. Esta preciosa caixa de três filmes que agora chega às lojas disso é bem exemplo. Contratei um assassino, passado em Londres, com um protagonista francês, conta uma história insólita num ambiente frio. Em A Vida Boémia, através de três personagens bem trabalhadas, reflete sobre a incompreensibilidade da arte e a camaradagem: Em Le Havre, que este ano teve nos cinemas, olha para os problemas da emigração com uma humanidade superior.
Três filmes de Aki Kaurismaki, Leopardo
Nouvelle Vague
Uma viagem ao início da Nouvelle Vague, movimento que revolucionou esteticamente o cinema europeu, é a proposta deste DVD, que reúne nove curtas metragens. Encontramos aqui as primeiras obras de Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Jacques Rivette, Jean-Paul Melville, Maurice Pialat, Jacques Doniol-Valcroze e Patrice Leconte. Revendo estes filmes, entre docuementários e ficções, apercebemo-nos da frescura que trazem dentro de linhas de fundo que estabeleceram uma estética independente, ainda hoje visível em tantos realizadores. Entre a leveza das histórias e a afirmação de um cinema mais autêntico, algumas coisas ainda hoje parecem avançadas e inovadoras, como o pós-genérico de Uma História de Água, em que a ficha técnica é dita e não escrita.
Nouvelle Vague, as primeiras obras, vários realizadores, Midas
A miséria de Tóquio
E se os irmãos Dardenne fossem japoneses? Chamar-se-iam, provavelmente, Kore-Eda Hirozaku. O realizador japonês resgata o tema e ambiente preferido dos realizadores belgas: os casos sociais de miséria infantil onde menos se espera, nos países mais desenvolvidos do mundo. Se os Dardenne mostram-no na Bélgica (Ursula Meyer fá-lo na Suíça), Kore-Eda descobre, de forma escandalosa, no Japão. É o que se percebe em Ninguém Sabe, filme premiado em Cannes (pela atuação de Yuga Yagira), em que o realizador faz questão de afirmar que se baseia em factos verídicos. Retrata uma família de quatro irmãos todos menores (o maior tem 12 anos), filhos da mesma mãe, mas de pais diferentes, que sobrevive como pode a uma mãe desvairada que acaba por os abandonar. Um filme comovente e triste, onde se salva apenas a ideia de família (aqui reduzida à fraternidade). No mesmo pacote, Andando, que estreou este ano em Portugal, em que a família, os seus segredos e fragilidade, serve de base de reflexão, ao longo das 24 horas de encontro, na celebração do primeiro aniversário da morte do filho mais velho.
Ninguém Sabe e Andando, de Kore-Eda Hirozaku, Leopardo
O outro lado de Kiarostami
Se isto fosse um disco, esta caixa era o equivalente à edição de lados B e raridades. Os quatro filmes de ou sobre Abbas Kiarostami nunca passaram nos cinemas portugueses, até porque o seu estilo é dificilmente comercializável em sala. Mas os muitos admiradores do cineasta iraniano vão gostar de conhecer esta sua obra paralela. A começar por 10 sobre dez, em que nos conduz pelos cenários de 10 e O Sabor da Cereja no Irão (funcionaria como extra no DVD de qualquer um dos filmes); Cinco Longos Planos dedicados a Yasujiro Ozu, uma singular homenagem ao grande mestre do cinema japonês; ABC África, a sua viagem ao Uganda, em que visita crianças cujos pais morreram de sida, a convite de uma ONG; ou 10 dias com Abbas Kiarostami, realizado por Brigitte Delpech, que acompanha um seminário dado pelo realizador em Turim.
Quatro filmes de Abbas Kiarostami, Midas
A cena do ódio
“Um homem atira-se de uma janela e, à medida que vai caindo, repete: ‘Até aqui tudo bem, até aqui tudo bem’. Mas o que importa não é a queda, mas sim a aterragem”. Esta frase vale um filme inteiro, ou até vários. Mas O Ódio, de Mathieu Kassowtce, é muito mais do que isso. Talvez seja o primeiro grande filme que retrata a complexidade dos subúrbios das grandes cidades francesas. Os protagonistas são três jovens: um negro, um judeu e um árabe. E o filme, de forma inteligente, chama a atenção para a vida suburbana e a sua complexa teia social. Há de novo uma luta de classes e uma diferença entre o subúrbios e o centro. Tudo isto se mantém tão atual que se tornou um dos temas favoritos do cinema francês contemporâneo.
O Ódio, de Mathieu Kassowitce, Alambique
E o mundo não se acabou
Nas vésperas do fim do mundo, segundo uma profecia Maia, é editado em DVD 4:44 Último Dia na Terra, de Abel Ferrara. Um filme pré-apocalíptico com um desenho minimalista que contrasta e o afasta dos filmes-catástrofe. Ferrara prefere situar a calamidade num casal que se refugia num apartamento, aprofundando o drama psicológico, em detrimento da ação. Mais um papel notável de Willem Dafoe, o ator fetiche de Ferrara, que contracena com Sahanyn Leigh.
4:44, o Último Dia na Terra, de Abel Ferrara, Alambique