Burton ainda conseguiu “pegar carona” na cauda do cometa vampírico que assolou o espaço sideral cinematográfico, baseando-se numa série televisiva americana dos anos 70. Mas se há alguém que mantém toda a autoridade para fazer histórias de vampiros e muito glóbulos vermelhos, esse alguém é Tim Burton. Lá vem o seu típico o estilo gótico, mesmo sem arco em ogiva, desta vez com bastantes gárgulas numa incrível mansão, que abriga a mais atípica família e a mais excêntrica decoração: um misto do (mau) gosto colonialista americano do século XVII com o psicadelismo berrante dos anos 70 do século XX. E à parte do inverosímil palacete (assombrado, claro está), cheio de câmaras secretas e passagens ocultas, o que há de mais interessante no filme é esta elipse extraordinária, temporal e musical: a passagem de um ambiente ultra-romântico em que começa por instalar a personagem, o vampiro (Depp), para uma carrinha Volkswagen, ícone da geração hippie, com os Moody Blues, Nights in White Satin, em fundo. De resto, Burton nem explora por aí além o anacronismo: com exceção para um equívoco divertido entre o símbolo do McDonalds e Mefistófeles, e uma confusão de género com Alice Cooper (him-self). Que não sendo, desta vez a mais maquilhada, acaba por ser a personagem mais assustadora. Mais do que a bruxa má (Eva Green) que se estilhaça como porcelana, da matriarca falida (Pfeiffer), a teenager “lobimulher”, o miúdo neurótico, a psiquiatra alcoolizada (Helena Bonham Carter), dois empregados caquéticos (fantástica a criada surda e muda a toda esta balbúrdia), as fantasmas, a gélida percetora e claro, o vampiro, Johnny Depp e aquele seu ar de perplexidade altiva, a lavar os caninos, tão inclemente quanto sentimental. Mas sentimentais todos os vampiros são.
Sombras da Escuridão
De Tim Burton. Dark Shadows, com Christopher Lee, Eva Green, Helena Bonham Carter, Johnny Depp, Jonny Lee Miller, Michelle Pfeiffer. Comédia. EUA. 2012