Quem sabe fazer, inventa. Quem não sabe, copia. E quantas vezes uma boa cópia é tão melhor que um mau original. É por isso que A Cidade, segundo filme do actor Ben Affleck, depois de Gone, Baby Gone (2007), é um thriller perfeitamente “assistível”.
Mais uma vez o actor/realizador regressa ao local do crime. Que para os cineastas americanos tem sido um covil de ladrões recorrente: o bas-fond irlandês de Boston. Foi assim com The Departed, de Scorcese ou Mystic River, que estão notoriamente noutro patamar.
Mas o próprio antecessor Gone Baby Gone, se passava nestes bairros problemáticos. Já neste primeiro filme, tão mediatizado por falar de uma menina desaparecida enquanto dormia, na altura em que o caso Maddie inundava os tablóides ingleses (a estreia até teve de ser adiada para evitar colagens), Affleck não arriscava e cumpria à risca as fórmulas habituais dos thrillers policiais. O problema aí não era a imitação, mas a limitação. Nada funcionava, tudo banalizava. Tão rasante quanto irrelevante. A começar pelo protagonista, Casey Affleck, o irmão mais novo de Ben, a fazer de um detective privado, insípido, inodoro e insosso. Todos os estereótipos compareciam e rapidamente a caça à menina desaparecida se tornava na caça ao próximo cliché, a provar que repetir fórmulas nem sempre são favas contadas.
Em A Cidade estamos outra vez entre os vilões da classe operária de Boston, com os seus gansters sinistros e códigos de honra inquebráveis. Mais concretamente situamo-nos no bairro de Charlestown, que até 1955 abrigou uma prisão, o que atraiu muitos familiares dos prisioneiros para as imediações. E esta parece ser uma explicação muito preconceituosa para se presumir que o bairro é um viveiro de criminosos, e daí um pedido de desculpas final às pessoas honestas que vivem na zona. Nas notas iniciais do filme, diz-se que Boston tem mais de 300 assaltos a bancos por ano. E desta vez Ben Affleck faz de assaltante de bancos, mas sem nunca ter a coragem brilhante de Michael Mann em Inimigos Públicos de glorificar o criminoso. Pelo contrário, Affleck desculpabiliza-o o tempo todo, tem imenso cuidado em convencer-nos que o ladrão que ele próprio interpreta é fruto do meio onde vive, de um pai presidiário, uma mãe abandonante, polícias abusadores…. Ele é assaltante bancos mas tem escrúpulos. E até tinha começado bem, como jogador de hóquei profissional, mas depois, as más companhias, as más influências, já se sabe…
O filme vai batendo em todos os pontos obrigatórios como uma bola de flippers, a tensão do assaltos, os interrogatórios do FBI, as perseguições de carro, as ameaças dos chefes sinistros da máfia local, e até um caso amoroso com uma menina honesta, completamente desconhecedora do cadastro do namorado – Rebecca Hall, que vimos recentemente no filme espanhol de Woddy Allen, entre Scarlett Johanson e Penélope Cruz.
Affleck jogou pelo seguro, não ousou nenhuma originalidade, e se calhar foi o mais prudente. Enquanto filme de género, até funciona, tem ritmo, boas cenas de perseguição, o romance do casal convence, está tudo relativamente certinho, é bastante competente e nunca se promete mais do que se cumpre – o que é importante para não frustrar expectativas. Agora, considerá-lo uma das grandes promessas do ano para os Óscares, como já se andou a dizer por aí, é muito maus sinal. Porque de filmes como estes nunca rezará a história. A Cidade faz parte daquela categoria que se consome sem custo nenhum, mas que se esquecem enquanto o diabo esfrega um olho para ver outro igual logo a seguir.