Não é só a Gomorra, a dos países de Leste e a chinesa. Nós por cá também temos as nossas máfias, os nossos Al Capones, disfarçados de empreiteiros, autarcas, dirigentes desportivos. É uma máfia à nossa dimensão, pequena e pequenina, menos violenta, mas com os seus graus de eficácia. Maria José Morgado e José Vegar fizeram um importante trabalho de denúncia de um submundo pecaminoso em Portugal, publicado no livro Inimigo sem Rosto. E, em termos de princípios, nem é mau que o cinema dê rosto aos verdadeiros inimigos deste país, reforçando a luta pela justiça.
Quem leu o livro de Morgado e Vegar certamente terá pensado “isto dava um filme”, assim como nos acontece ao ler algumas histórias mirabolantes que saem nos jornais. Foi a conclusão a que chegou também o realizador José Farinha. Só que a opção pelo cinema foi nitidamente excessiva para o projeto. Inimigo sem Rosto tem todos os ingredientes de uma série de televisão. E talvez funcione bem como tal. Mas o cinema é outra coisa. É tudo o que lhe falta. Não se vislumbra um olhar, uma perspetiva, uma ideia, há uma falta de imaginação nos enquadramentos, no campo/contracampo e nos próprios diálogos, que resulta no abuso dos lugares comuns, com alguns pormenores de mau gosto.
Do elenco fazem parte alguns bons atores, como José Wallenstein, São José Correia e até há um pequeno apontamento do maestro António Victorino de Almeida. Só que a própria estrutura do filme não permite representações com maior brilho.
A rigor o maior elemento de atração deste Inimigo sem Rosto é o picante de saber a quem correspondem aquelas personagens sinistras que dão pelo nome de código Feiticeiro, Albatroz e Turbo. Tal como, de resto, aconteceu recentemente com Corrupção, em que a sede de polémica foi tal que provocou um corte entre realizador e produtor, inédita no nosso cinema. A história – espanto dos espantos – que na vida real é tão cinematográfica, no filme parece estranhamente banal. Porque se é verdade que, tantas vezes, a realidade supera a ficção, também é verdade que quando a ficção não supera a realidade não nos serve de muito. E Inimigo sem Rosto acaba por ser proporcional à realidade retratada, um filme pouco significante sobre uma mafiazita de trazer por casa, mas que estranhamente logra alcançar alguns dos seus pequeninos objetivos. De Corrupção já nos esquecemos e deste filme também rapidamente nos iremos esquecer. Só é pena que, apesar das adaptações cinematográficas, a justiça também se esqueça dos inimigos sem rosto.