No primeiro Toy Story, em 1995, Woody, o intrépido cowboy de borracha atirava com a rudeza crua da verdade à cara do astronauta Buzz Lightyear: “Tu és um brinquedo de criança”. Ou seja, ele também pertencia à classe inanimada de seres que se mexem a pilhas e habitam os armários das crianças. A custo, Buzz lá encaixava esta dura realidade – os brinquedos só existem enquanto uma criança quiser. Passados 15 anos do filme inaugural, e 11 da sequela, Toy Story 3 (em cartaz) é o mais existencialista da trilogia. E o mais deslumbrante também. Considerado um paradigma de qualidade da animação computorizada produzido pela Disney/Pixar, já se disse que o primeiro Toy Story estava para o terceiro como o “Eight Days a Week”, dos Beatles para “A Day in the life”, que corresponde à fase da maturidade dos fabulosos quatro, muito mais sofisticado, com orquestra, sem refrão, cheio de voltas, e reviravoltas na melodia, sons estranhos e fusões… Enfim, a Pixar evoluiu. Se o último Shrek, da concorrente DreamWorks, entretem adultos infantilizados, este Toy Story fascina crianças exigentes. Depois da obra-prima Wall.E (Óscar em 2009), a reputação da pixar ficou estratosférica. Aliás, Andrew Stanton ( duplamente oscarizado por Wall.E e por Procurando Nemo) faz parte da equipa de guionistas (com John Lasseter), e, independentemente da evolução técnica, – Woody tem 229 pontos de animação de movimento de rosto – e da trimidensionalidade – já um dado adquirido na animação desta década, Toy Story 3 está sobretudo muito bem escrito. É talvez a mais spielberguiana das animações, o que pode parecer até um paradoxo porque Spielberg já foi catalogado como tendo “cartoon mind”…. Seja como for, é um filme escrito à Spielberg, com os uns minutos iniciais de cortar a respiração, uma espécie de prólogo, que envolve um assalto a um comboio de Lego prestes a descarrilar numa ponte suspensa sobre um abismo, um cowboy que está sempre a recuperar o chapéu e depois tem todos os set ups e pay offs muito bem plantados (no sentido quase botânico do termo), imensos efeitos de reconhecimento dos filmes anteriores (a eterna marca Pizza Planet, o papel de parede azul celeste, do quarto de Andy ….) um arco da narrativa desenhado quase a compasso, uns turning points perfeitos e sobretudo a construção da empatia com as personagens de sempre – agora reduzidas ao seu núcelo duro: Woody e Buzz, Jessie e o seu cavalo, o senhor e a senhora cabeça de batata, o porquinho, o tímido tiranossauro rex, os três aliens. A estes juntam-se uma Barbie não tão tolinha quanto parece e o metrossexual Ken, um muito assustador macaco que bate pratos, um ainda mais terrífico bebé, que emite gugu-dadas e vira a cabeça como o exorcista, e Lotso, um urso de peluche fofinho que dá abraços e cheira a morango – que, mais adiante se verá, será o vilão da história. O temível miúdo destruidor de brinquedos, vizinho do Andy, Sid também comparece neste filme, mas num papel de quase figurante: ele tornou-se, passados 11 anos, homem do lixo. O que é outro pesadelo de brinquedos negligenciados pelos donos que crescem. Nesta sequela, Andy vai para a faculdade e a mãe exige uma arrumação do quarto. O velho gangue de plástico está em apuros: ou vão na mala para a faculdade (altamente improvável), ou resta-lhes o lixo, uma venda de garagem à americana, um longo pousio no sótão, na esperança que a geração seguinte os venham resgatar. Porque este é o sentido da “vida” para os brinquedos: serem “brincados” por crianças. Sem isso a sua existência periclita. E é outro lado muito spielberguiano de Toy Story 3: o sentimentalismo familiar. Tão espantoso quanto isto: É impossível ver e não sentir complexos de culpa por todos aqueles seres inanimados, outrora amados, e tão inclementemente repudiados. No fundo, fala-se aqui da ansiedade da separação, que é algo de universal: O miúdo que precisa de se libertar dos brinquedos para crescer, a mãe que tem de se despedir do filho, os brinquedos têm de se despedir da sua existência. Até o urso fofinho, que é uma espécie de padrinho gansgter num campo de concentração para brinquedos, se tornou assim porque não suportou o abandono. Algum dia, o passado tem de ser deixado para trás, para se chegar ao presente.