Ano da graça de 1940. A Europa encontra-se em Guerra e a Alemanha está a ganhar. Depois da Invasão da Polónia, em 1939, o Exército Nazi invade a Noruega, a Dinamarca, a Bélgica, a Holanda e a França. Os judeus passam a ser identificados com um símbolo e constroem-se os primeiros campos de concentração. Prepara-se o genocídio. Quanto a Portugal… Portugal, pacatamente, recebe delegações germânicas e britânicas, mantendo-se orgulhosamente neutro. É ano de megalomanias e exibição da História. Faz-se a Exposição do Mundo Português, grandiosa e eloquente, com pavilhões exuberantes, paradas com elefantes e leões, barcos tão adornados que se afundam à saída. Em Lisboa, o único porto neutro da Europa, exibe-se uma falsa opulência em plena ascensão de Salazar (o povo é pobre e analfabeto). A Lisboa chegam milhares de refugiados, fugidos de uma guerra tenebrosa, sem sítio para onde ir, na esperança de encontrarem um barco para um porto distante, na incerteza do rumo da Guerra. 1940 é um dos annus horribilis da Europa, e a Lisboa do fado encontra-se estranhamente em festa. João Canijo parte de 1940 para fazer um fabuloso documentário, em Competição no Indie, mas que se estreia em sala já dia 29. Um filme para o qual não pegou uma única vez na câmara nem escreveu qualquer texto. É todo feito através da colagem de imagens de arquivo e da sobreposição de narrações da época e depoimentos de refugiados ilustres que conheceram a Lisboa de então. É o caso de Erika Mann, a filha de Thomas Mann, Alfred Döblin ou Antoine Saint-Exupéry. Este último fala do exército de pedra que Salazar construiu para afugentar os potenciais inimigos. João Canijo, autor de Noite Escura, filme que foi considerado o melhor das últimas décadas segundo um painel de críticos convidado pelo JL, faz uma espécie de exercício de pureza. Não se trata de um jogo pelo jogo, mas sim uma tentativa de deixar a História falar por si, abstendo-se o realizador, na medida do possível, de intervir com perspectivas contemporâneas e anacrónicas. Ao mesmo tempo evidencia a montagem como ferramenta primordial na linguagem cinematográfica (realce-se o trabalho de João Braz), como forma de encaminhar uma história. O filme não precisa de mais nada. Estas imagens e palavras falam por si, contam-nos a história durante a História, colocam-nos no tempo sem risco de anacronia ou juízo fora de época. A imagem deste Portugal não é de todo favorável. Quando na inquisição Portugal expulsou os judeus os países do Centro da Europa acolheram-nos sabiamente, aproveitando mesmo a sua inteligência para o desenvolvimento. Quando, nos anos 40, foi a vez de Portugal se tornar em porto de abrigo, demitiu-se desse estatuto, e quis apenas ser posto de passagem, tratando os refugiados como farrapos, ao ponto de Alfred Dölbin questionar: “Será que eles não se sentiriam melhor na sua terra, apesar dos bombardeamentos”. A propaganda da época passa a mensagem: “Portugal não teve o dia D, teve o dia S, de Carmona e Salazar”. Salazar, covardemente, salvou Portugal da guerra. Mas quem é que poderia salvar Portugal de si próprio?
Fantasia Lusitana: Lisboa, porto de (des)abrigo
Fantasia Lusitana, de João Canijo
João Canijo agrupa imagens e sons de forma a entendermos melhor Lisboa em 1940. Portugal foi o tubo de escape da Europa- FOTOGALERIA E CRÍTICA
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