Solidões ao sol Guerra civil, de Pedro Caldas Ela (Catarina Wall) anda de bicicleta, ouve Orange Juice e Dexys Midnight Runners e tem imensos amigos bronzeados com ela. Ele (Francisco Belard) arrasta-se pelos penhascos e pelos telhados, ouve Joy Divison e tem um rato como seu único amigo. Foi deste encontro improvável entre o sol e a lua, entre a luz e a sombra, que Pedro Caldas construiu o seu filme, instalado numas férias de Verão dos anos 80, enquanto lá fora ocorriam os massacres em Beirute e por cá ainda se podiam passar férias em praias com toldos de pano às risquinhas, em vez destas medonhas palhotas a armar ao tropical – curiosamente é a única ficção que se apresenta na Competição Nacional de longas. E deste (não) romance adolescente de Verão transita-se a meio do filme para a perspectiva da mãe do rapaz, que tem, também ela, um pseudo-romance de verão. E esta transferência de ponto de vista acontece com a subtileza daqueles mágicos que despegam dois aros outrora entrelaçados. Ambos, mãe e filho estão em fase de transição: só que o filho evolui para a idade adulta, e a mãe involui para o ocaso dos 40. Nenhum deles se sente confortável naquelas peles. O miúdo recusa-se a crescer, a mãe recusa-se a envelhecer. E as várias solidões instalam-se e interceptam-se naquela família. “Somos um país de várias solidões, mas disfarçamos, fingimos que nos divertimos”, comenta o realizador. É um filme cheio de árvores, música, reminiscências, o riscar do vinil, a voz de António Sérgio no Som da Frente. Sente-se a “portugalidade desses contactos sociais pouco francos” à beira-toldo ou entre a família. É um filme cheio de elipses, hiatos e ciclos. O ciclo de umas férias de Verão, os ciclos das transições da idade… E de interrupções de sentimentos, de relações, de tempos em suspensão – quando o rapaz se depara com um jogo muito onírico na praia em câmara lenta e sem bola. Ele lança a bola imaginária mas nunca se atira. Nem à rapariga nem ao abismo. Apenas se deixa cair.
Guerra Civil, de Pedro Caldas – Solidões ao sol
Um filme cheio de vinis, de música dos anos 80, de sol e de sombra, a provar que a solidão nem sempre faz a sua fotosíntese sob o portugal ensolarado por fora e ensombrado por dentro
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